quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Closer - Perto Demais

Concordo com Caetano Veloso, "de perto ninguém é normal". Mas "Closer - Perto Demais", de Mike Nichols, me deixou pensando diferente: de perto, somos normais demais.
O filme é uma demonstração tocante de nossas impotências e incompetências sentimentais. Se você quer saber por que, em regra, somos infelizes em amor, não perca.
Para não estragar o prazer de quem não viu o filme, nada de resumo, apenas as reflexões fragmentárias com as quais passei a noite, depois de ter assistido a "Closer - Perto Demais".

1) Por que, no meio de uma história amorosa que funciona, um encontro (que sempre parece mágico) pode levar alguém a trocar a intimidade de um casal companheiro por uma visão?
Os evolucionistas dizem que os homens são infiéis por necessidade biológica. Para que a espécie continue, os machos seriam programados com o desejo de fecundar todas as fêmeas possíveis. A teoria tem uma falha: as mulheres são tão infiéis quanto os homens (embora os homens se recusem a acreditar nessa banalidade).
O senso comum tem outra explicação: a paixão iria se apagando com a repetição, os humanos gostariam de novidade. Pequeno problema: a idéia de que a novidade seja um valor é especificamente moderna; no entanto a inconstância em amor é um hábito antigo. Outro problema ainda maior: na condução de nossas vidas, somos obstinadamente repetitivos. Insistimos nas mesmas fantasias e nos mesmos sintomas. Contrariamente ao que diz o provérbio, errar é divino, perseverar é humano. Por que seria diferente em matéria amorosa? Como pode ser que um encontro, em que mal se sabe quem é o outro ou a outra, contenha uma promessa que basta para levar alguém a dar um chute num amor que dura?
Tento responder: apaixonar-se é idealizar o outro, durar no amor é lidar com a realidade do amado ou da amada. Antes de ponderar os charmes da idealização, duas observações.
Um impasse: para manter a paixão, devo continuar idealizando o parceiro. Mas, para idealizar o outro, devo mantê-lo a distância. Se mantenho o outro a distância, renuncio aos prazeres de amor, companheirismo, cumplicidade, convivência.
Um paradoxo: se me separo porque me apaixono por outra ou outro, o parceiro que deixei se distancia de mim, portanto volto a idealizá-lo e a me apaixonar por ele.

2) Por que gostaríamos tanto de idealizar o outro que vislumbramos num novo encontro? Uma nova paixão amorosa é provavelmente o sentimento que mais pode nos transformar, para o bem ou para o mal. Por exemplo, se o outro me idealiza, carrego seu ideal como um casaco novo: modifico minha postura para que o pano caia bem no meu corpo. De uma certa forma, tento me parecer com o ideal que o outro ama em mim.
Cada amor, quando começa, é uma aventura. Não porque encontro um novo parceiro, mas porque, ao me apaixonar, descubro ou invento um novo ideal e, ao ser amado, mudo para me aproximar do que o outro imagina que eu seja.
A inconstância amorosa talvez seja a expressão imediata do desejo de mudar -não de trocar de parceiro, mas de se reinventar.
Não é estranho que, na hora em que um amor começa, alguém decida se dar um novo nome. Nenhuma mentira nisso, apenas a convicção e a esperança de que a paixão nos transforme.
Infelizmente, mudar é difícil: a sedução exercida pelos novos amores é uma veleidade, um pouco como as resoluções de que as coisas serão diferentes no ano que começa.

3) Dizem que um casal que se ama briga muito. O uso erótico das brigas é conhecido: a paz se faz na cama. Menos conhecido é o uso amoroso das brigas: chegar ao limite da ruptura pode ser um jeito de recomeçar, de voltar ao momento inicial da paixão, quando ambos esperavam que o amor os transformasse.
Problema: ninguém sabe qual é o ponto de equilíbrio além do qual as brigas não garantem renovação nenhuma, apenas desgastam um amor que se perde.

4) Alguém se apaixona por outra pessoa porque, ele se queixa, sua parceira precisa dele. É aquela coisa: seu amor me exige demais, você me sufoca, me prende. Isso, é claro, é um jeito de dizer: com você sou sempre o mesmo. Também é uma projeção: separo-me porque não agüento minha própria dependência de você. Visto que me detesto por estar a fim de lhe pedir amor a cada minuto, acho intolerável que você me peça. Quem pensa e age assim, em geral, fica sozinho no fim.

5) Um homem volta para o lar depois de ter estado nos braços de outra. Sua mulher pergunta: você me ama ainda? Ela tem razão, é a única pergunta que importa.
Uma mulher volta para o lar depois de ter estado nos braços de outro. Seu homem pergunta: você esteve com ele? Insiste: quero a verdade. Pede os detalhes: gostou? Gozou? Onde aconteceu, em que posição, quantas vezes?
O ciúme feminino é uma exigência amorosa. O ciúme do homem é uma competição com o outro, um duelo de espadas, uma esgrima homossexual que tem pouco a ver com o amor pela amada e muito a ver com as excitantes lutinhas masculinas da infância.
Enfim, quem sabe o filme nos ajude a inventar jeitos de amar menos desafortunados e mais interessantes.

Contardo Calligaris
03/02/2005

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Do amor e dos seus pronunciamentos

Amigo, se você é do tipo que diz “eu te amo” de uma forma, digamos assim, precoce e irresponsável, na afoiteza das primeiras e belas noites na alcova, como já tanto o fez este pusilânime cronista, prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar, digo, “se liga”, como verbalizam os avexados mancebos da hora.

Se a gazela for safa,sábia, mal algum há em tal pronúncia, até apreciará o empolgante anúncio como uma poesia de fundo, como se uma música de Sérge Gainsbourg –Je t'aime moi non plus- estivesse tocando no quarto de motel barato àquela altura.

Pensará a moça, bem baixinho, “que doce vagabundo”. Terá sido apenas um pequeno crime, como num bolero, um “besame mucho”, um cha-cha-cha num Caribe imaginário, cortinas ao vento, lua caliente lá fora, barulho de caminhões no asfalto.

Sim, a gazela pode entender como um “eu te amo mesmo, de verdade, verdadeira, assim como Deus sobre todas as coisas”.

Que mal há nisso?

Quantos amores à vera começaram com um “eu te amo” de brincadeira?

Nesses tempos de amores líquidos, de amores ficantes, de amores-vinhetas de 15 segundos, quem saberá o que venha a ser o amor patenteado pelos deuses incas ou gregos?!

O melhor mesmo é dizer, sem medo, eu te amo, e honrá-lo pelo menos enquanto o sublime eco resistir entre aquelas abençoadas quatro paredes.

E se ela acreditar, ora, ora, manda um “eu te amo, meeeesssmmmoooo”.

Com olhinhos revirados, vamos mais fundo ainda: “Eu te amo até o fim dos tempos”.

Se ela não tá nem aí, você se vira para o piano e ordena, como no filme Casablanca, mesmo que estejam atravessando a avenida Afonso Penna em Belo Horizonte, seis horas da tarde, buzinaço, hora do ângelus: “play, again, Sam!”

E manda mais “eu te amo”, como um estribilho do vento, nas oiças da desalmada, até ela acostumar com a natureza humana do macho que veio ao mundo com um cowboy solitário que tem apenas um mantra, uma bala no coldre dos sentimentos: “eu te amo”.

Monocórdico sr. das sombras cujo cardiograma é um terremoto de “eu te amos”, como um sismógrafo nervoso a riscar o mostrador da maquininha que mede os tremores demasiadamente humanos de todos os cardiologistas particulares.

Antes um “serial lover” a dizer eu te amo como um cuco desembestado a um elíptico e silencioso cabra safado que guarda os “eu te amo” para a hora do chifre ou para a extrema-unção, como meu amigo “mucho macho” que morreu balbuciando, câmera lenta, para o padre Cristiano, lá em Santana do Cariri, muito tempo atrás: “padre, me perdoa, estou morrendo, creio, e nunca disse eu te amo!”. Donde a dúbia e indecifrável sentença guarda dúvida até hoje: “para quem seria aquele guardadíssimo eu te amo?”. Para o padre ou para o seu amor proibido?

Donde baixa um Esopo fabulador para deixar a moral da crônica: mais vale um “eu te amo” que entre por um ouvido e saia pelo outro do que um silêncio mortal de um homem que nunca se empolga e deixa a gazela achando que “eu te amo” é coisa só de novela e de filme americano.

Xico Sa

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Lembrete

Se voce nao esta cometendo muitos erros em sua vida, entao voce provavelmente esta fazendo alguma coisa errada.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Cheiros

O grande problema e o cheiro delas. Feromonios, dizem.

Elas conseguem criar essencias paralisantes com produtos encontrados facilmente em qualquer supermercado: o cheiro do xampu, qualquer um, no cabelo molhado depois do banho, por exemplo. Como um ser humano consegue raciocinar direito com aquele cheiro tomando conta da casa? E hidratantes, entao? E aquele cheirinho atras da orelha dela na hora de dormir? Nao vamos nem entrar em outros meritos e odores sublimes menos publicaveis aqui, mas e definitivamente o principal fator que nos faz parar de pensar e nos faz tomar decisoes cretinas pela vida afora.

Descobri a questao.

Nunca tive problemas com nenhuma mulher que nao cheirasse muito bem!

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Para minha estrela ausente

Tudo bem, querida

Ah, é? Você me liga: Oi, tudo bem? Estou terminando. Entre nós, sim, tudo acabado. Lindo enquanto durou. Agora acabado. Para sempre. Espero que sejamos amigos. Que historia é essa cara? Acabou, pô nenhuma! Um longo ano de paixão e loucura, e de repente oi, tudo bem, o fim de tudo?

Pra mim nada acabou, ô louca! Só do teu pouco juízo pra ser tão cruel. Ingrata e desgracida. Oco no peito, ninho de peludas viúvas negras. Ainda ontem, nua e perdida nos meus braços, o teu grande, eterno, único amor. E hoje: Oi, querido, tudo acabou. Corta essa cara. Dó, não sabe o que é? Em perdão nunca ouviu falar? Nem aviso nem nada - é o fim, tudo acabou -, o coração esfolado vivo com navalha sem fio. O amor doido de um ano se acaba com um tiro na nuca.

Na hora fui machão. "Tudo bem, se é o que você quer. Claro, ainda amigos, seja feliz". Assim que você desliga, mãezinha do céu, o olho cegou a lingua enrolou, a perna falhou, o meu nome esqueci. Que tudo bem, que nada. Pô nenhuma. Aqui estou plantado de quatro, ganindo para a lua vermelha dos amantes desprezados. Nada acabou, meu amor que era grande ficou maior, transborda do meu peito, sai pela janela, explode a cidade em sarças ardentes, uivos de dor, borboletas amarelas.

Durão, sim, às duas de uma tarde de sol. Nunquinha que às três da noite escura da alma, eu, a última das baratas leprosas.Agonizante na velha cama, o colchão furadinho de agulhas de gelo, o travesseiro de penas e brasas vivas. Única imagem, você perdida e nua nos meus braços. Única idéia: nua e perdida você nos braços de outro. Atropelo uma prece entre berros de um ódio que espuma. E o maldito pernilongo da insônia, oi querido, tudo bem? Me enfiando a faca no coração ainda me chama de querido. No peito, não, revolve a ponta fininha nas costas, assim dói mais.

Tudo bem, uma merda. Tudo mal, nunca esteve pior, desde a hora do famoso recado. Assim acaba o amor jurado de um ano inteirinho? De um telefone público, entre zumbidos e vozes, desculpa, querido, não posso falar, tem gente esperando. Nem a consideração do falso olho azul na cara. E se caio duro e mortinho ao ouvir a sentença de morte? Te dispensava de assistir à execução, o tiro de misericórdia na nuca. Misericórdia, pô nenhuma. Sabe lá o que é, cara?

Egoísta e pérfida, só uma bandida capaz de oi, tudo bem (e no mesmo fôlego, decerto sorrindo o tempo inteiro), tudo acabou, querido, é o fim, não me procure mais, se me vir na rua (nos braços de outro?) finja que nunca me conheceu, assim agente não sofre. Não sofre, a gente, pô? Fale por você sua cadela. E a mão suada e fria? A língua no sal? O vidro moído nas entranhas? A tremedeira do pé torto? Aqui estava numa boa, de repente o bruto murro na cara espirra olho, sangue do nariz, caco de dente - e tudo bem, querido?

Minha fonte única de alegria agora de todas as dores e aflições? Você, meu cálice de vinagre e fel, a broinha de cinza fria? Dá um tempo, ô cara. Isso não se faz. Não é assim que um amor acaba. Com tiro na nuca, a volta do parafuso nas costas, o soco na cara.

Machão, eu? O mais reles dos ratos piolhentos do amor. Sem honra nem palavra, por mim não respondo, todo me ofereço à vergonha da humilhação. Lembra da aranha? Você cortou com a tesoura as oito patas - cada uma ainda quis andar sozinha... e se distraiu a vê-la desfiar do ventre o recheio verde. Essa aranha roxa, ali no piso branco, sou eu. Mudo me retorcendo de tanta dor. Deliciada, eu em sem braço nem perna, debaixo do teu sapatinho prateado? O meu desespero goze à vontade. Tudo menos oi, querido, acabou o nosso caso.

pô que acabou. E eu, ô cara? Sem você, o que será de mim, já pensou? Não tem peninha? Eu morro, sua puta. Por você eu grito três dias sem parar. Me dá um tempo. Qual é a tua, cara? Como pode, até ontem me amava e hoje tudo acabado? E os teus bilhetes de juras eternas, as letras borradas de fingidas lágrimas? A isso chama de amor? Me beija na boca e no mesmo suspiro me acerta o ferrão de fogo. Tudo eu aceito, só não me deixe. Aqui na maior desgraça, não houve meu soluço e rasgar de dentes? Me dá um tempo, cara. Um mês, uma semana, um diazinho só.

Já não me quer? Tudo bem. Basta que eu te olhe, nem chego perto, no outro lado da mesa. Cafetina de corações solitários. Ó estripadora de alminhas líricas. Vendo o teu desprezo pode que ganhe coragem e força. Com as mãos arranco o próprio coração pelas costas.

Meus ossos já se desmancham, deixo cair garfo e xícara, puxo da perna esquerda. Me repito, eu? Pudera, no ouvido esse bando de baitacas gritando sangue, me acuda, inferno, eu morro. Dá um tempo, cara. Não assim, não para sempre: o fim do mundo às duas e quinze da tarde. Em vez da trombeta e a explosão, uma voz alegre no telefone público. Tudo bem, sinto muito, desculpa e obrigadinha.

Sente muito, você, a maior das assassinas? Tudo bem pô nenhuma. Não tem obrigadinha. Não tem desculpa. Quero você inteirinha de volta. Orgulho já não tenho. Merda para o orgulho. A paz dos cabelos brancos, até essa me deixou. Entre você e o amor próprio escolho você. Entre a dignidade e a abjeção com você, escolho a abjeção. Só peço pelo último encontro, duas palavrinhas. Por você eu morro todo dia. Pelo teu amor sou morto cada hora. Deixa te ver, sua maldita, uma vezinha só. Ai, por favor. Minha santinha querida. Por favor.

(Dalton Trevisan)

segunda-feira, 9 de junho de 2008

I always wondered, when a butterfly leaves the safety of its cocoon, does it realize how beautiful it has become? Or does it still just see itself as a caterpillar? So where does change come from? And how do we recognize it when it happens?

segunda-feira, 19 de maio de 2008

I'm not going to think about her

Coisas que aprendi recentemente

1) Uma trepada dificilmente vai mudar a sua vida.
2) É possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo.
3) Tempo é foda. Literalmente resolve tudo.
4) As coisas demoram tempo para acontecer e não adianta nada querer apressar.
5) O amor vai quebrar o seu coração. Mas o pior é que vale a pena.
6) É muito, mas muito mais difícil achar uma mulher com caráter e bom papo do que uma loirinha magrinha e gostosa. Dê prioridade para as do primeiro tipo. Mas nunca ignore as do segundo.
7) Seus amigos e sua família são as duas coisas mais importantes da vida. Ponto.

Pérolas de sabedoria.

Releia pérola número 01 sempre que possível.

domingo, 18 de maio de 2008

O fetiche da mercadoria

Estava esses dias em um bar com amigos, bebendo e falando bobagens quando a conheci. Fitei os olhos da amiga que estava com ela - que estava totalmente maluca de alguma coisa que até agora não consegui identificar - ela veio em minha direção e me abraçou como se eu fosse um querido amigo que ela não encontrava havia muitos anos. A amiga era uma mestiça vulgar, convencida e chegada em álcool. A diversão ideal para uma noite de terça-feira. Ela não era nada disso.

As duas sentaram-se em nossa mesa e fizemos todo o percurso óbvio e conhecido: "como vocês chamam?", "vocês tomam vodka?", "garçom!". Ela se sentou ao meu lado e começamos a conversar. Era bonita, discreta, visivelmente constrangida por estar sentada numa mesa com aqueles desconhecidos mas aceitou a bebida e bebia com parcimônia.

Logo entramos nos assuntos em comum, ela estudava na mesma faculdade que eu havia me formado alguns anos antes, conhecíamos algumas pessoas em comum e eu não conseguia tirar os olhos dela. O assunto fluia, risadas sinceras deram lugar ao joguinho de "quero te comer" que estávamos praticando. O lugar era uma mistura de restaurante de comida japonesa, sinuca, churracaria e karaokê. Com algumas vodkas na cabeça, convidei-a para dançar. Algum cliente bêbado estava berrando algum hit romântico de quinta nos auto-falantes mas, para mim naquele momento, com ela em meus braços, era como se o Marvin Gaye estivesse sussurrando em nossos ouvidos.

Seu perfume era delicado e marcante, sua cintura bem marcada e sua mão deslizava pelo meu pescoço e me fazia desejar que aquela música horrorosa nunca acabasse. Beijei-a. A porra da música acabou. Voltamos à mesa de mãos dadas.

Mais alguns minutos de papos e carinhos, disse que precisava ir embora. Sorri, imaginando o quanto eu gostaria de colocá-la em minha vida à partir daquele momento e o quanto queria sair dali com ela, levando-a pela madrugada para onde ela quisesse me levar.

"Lindo, preciso ir agora".
"Jura? Para onde você vai agora? Podíamos ir juntos."
"Não vai dar. Vou trabalhar agora"

A ficha caiu na hora, mas fiz a pergunta mesmo assim:
- O que você faz?
- Eu faço programa.

Não sejamos hipócritas. Aquilo fez diferença para mim. A ladainha do "vou tirar você desse lugar" realmente não me atraía em nada e não tinha interesse nenhum em tirar vantagem dessa breve união que tivemos para obter serviços grátis. Seria como chamar o Tevez para bater uma bola depois de um dia de treino: você não faz as coisas que as pessoas fazem de graça com um profissional que faz isso todo dia e espera que ela se divirta com isso.

Trocamos telefones, disse que ligaria e não liguei. Recebi uma mensagem dela no celular dois dias depois. Tinha adorado me conhecer e queria me ver de novo, em situações "decentes". Imagino que ela se referia a uma cerveja, um cinema ou nada que envolvesse fezes ou animais, imagino. Não respondi a mensagem.

Poderia discorrer aqui agora um tratado sobre tabus, preconceitos, desejo e sexo, mas não acho que seja o caso. Não tive interesse em me envolver com uma prostituta, pelo fato único e exclusivo da atividade que ela exercia. Eu sou uma pessoa ruim por isso?

Gosto de pensar que não sou.

Eu sempre vou lembrar do quanto ela me fez feliz naquela noite e do seu perfume. Não é esse tipo de sensação que ela vende aos seus clientes? Uma falsa sensação de intimidade é a chave de sua profissão; mais que sexo, os homens querem possuí-la, sua alma inclusa. Eu vislumbrei uma pequena fração dela. E sabia que não poderia ser minha.

Espero que ela seja feliz.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Cão de Guarda

“Amar, além de muitas outras coisas, quer dizer deleitar-se na contemplação e na observação da pessoa amada”, sopra o velho escritor Alberto Moravia, sempre aqui na cabeceira.

Uma das melhores coisas da vida é observar a pessoa amada que dorme,entregue, para além dos pesadelos diários.

Como bem disse Antônio Maria, o grande cronista que aparece com ciúmes até da própria sombra na vida e no livro da Danuza , um homem e uma mulher jamais deveriam dormir ao mesmo tempo, embora invariavelmente juntos, para que não perdessem, um no outro, o primeiro carinho de que desperta.

Experimente você também, sensíiiiiiiivel leitora, vê o seu homem quando dorme. Há uma beleza nessa vigília que os tempos corridos de hoje não percebem.

Amar é... vê-lo dormindo como um Garfield lesado e alasanhado.

Cada mexidinha, cada gesto. O que sonha nesse exato momento? Tomara que seja comigo, você pensa, pois o amor também é egoísmo.

Gaste pelo menos meia hora por semana nesse privilegiado observatório.

Psiuuuuu!

Ela dorme.

Mãozinha no ar, como se apanhasse pássaros, que coisa mais linda. Uns 23 minutos assim, mirei no rádio-relógio. A mão desce ao colchão, quase dormente, formigamentos. Coça o nariz. Põe a mãozinha direita entre as coxas. Agora vira de lado, como os antigos LPs quando gastavam as seis músicas do A. E me abraça como nunca fosse partir, corpos viciados, almas em busca de um acerto.

Dorme, meu anjo.

Ela obedece.

Vigio o sono dela como um soldado zapatista na selva escura.

Como um cão zela o sangue do dono.

Como se fosse um homem-exército e pronto.

Amar, no início era o verbo intransitivo da alemã professora de amor de Mario de Andrade. O idílio tem sobrevida, não como gênero, mas como vício, vício de amar. Amar de muito.

A mão desce agora sobre o meu peito, como se medisse meus batimentos.

A mão direita volta para a arte de apanhar pássaros, que beleza, que diabos!

O ideal é que você, amiga leitora e sensivi, durma do lado esquerdo da cama, o do coração, sempre.

Mãozinha no ar catando pássaros. Até se acalmar de vez.

Calmaria danada de horas, sem coreografias ou narrativas. Sonha, sonha, sonha, minha menina.

Como é lindo a vigília ao sono dela.

Coça o nariz. Sussurra umas onomatopeiazinhas lindas de sonhos de besouros.

Ela arruma os cabelos como algas, entorpeço num mergulho.

Observar o sono do(a) amado(a) é a melhor maneira de mapear a sua beleza.

É a melhor maneira de conhecer o homem ou a mulher com quem dormimos.

E como são lindas aquelas marquinhas deixadas pelos lençóis no corpo dela. Um mapa de delírios! Melhor é lê-las como quem adivinha os sonhos e o futuro no fundo da xícara árabe ou nas cartas.

Xico Sá

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Cuidado com o que você deseja

Pense numa coisa que você quer muito. Essa coisa depende de uma outra pessoa, ok? Beleza. Imagine um telefonema agora, que você espera por uns dois anos ansiosamente. Você já fantasiou sobre todos os mínimos detalhes possíveis dessa hipotética conversa: as exatas palavras que você escutaria, como você reagiria, seu tom de voz desinteressado que você praticou milhares de vez mergulhado em pensamentos durante o banho... Sacou o tamanho da obsessão, não?
Pois bem.
Um belo dia você está simplesmente vivendo a sua vida, andando distraído pela rua e seu celular toca. O número que aparece no visor faz o seu sangue gelar. Você sabe quem é, mas não imagina o motivo dessa ligação. Você fica olhando para o aparelho berrar e vibrar na sua mão por alguns segundos, respira fundo e aperta o botãozinho verde: "alô".
Esquece imediatamente do discurso tão bem formulado e a voz sai fraca, quase débil. Uma pigarreada, uma gaguejada e você está sob as duas pernas novamente, fazendo um esforço enorme para conseguir manter uma linha de raciocínio numa conversa com o mínimo de coerência.
E aí acontece. E nada poderia te preparar para aquilo. As palavras que vêm são exatamente as mesmas que você escutou na sua cabeça nos últimos dois anos. Uma atrás da outra. Vêm embrulhadas ainda por cima num belo pacote de veludo feito de arrependimentos e lágrimas. Você fica ali parado, escutando, murmurando qualquer coisa apenas para demonstrar que você continua ali. O estranhamento toma conta de você.
O que fazer com aquilo agora? Era realmente o que você queria ouvir, com aquela similaridade insana entre a sua imaginação e aquele momento, mas agora que você finalmente ouviu, as palavras morreram no momento em que foram ditas. E você tem um elefante de doze toneladas parado na rua olhando para você.
Você nunca se preparou para o que fazer em seguida. A fantasia acabava no telefone, não tinha um depois. E essa falta de preparação te deixa perdido, confuso, um tonto com um telefone na mão e nenhuma idéia na cabeça.

Estou muito curioso com a continuação desse telefonema.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Só a lama cura

O mantra é esse, pombinhos desgarrados e estraçalhados pelas agruras do amor: “Só o caminho do excesso conduz ao palácio da sabedoria”. Assina que é o verso é teu, velho William Blake.. Ou seja, numa livre tradução para a nossa baixaria de vida de hoje: SÓ A LAMA CURA!

Seu guarda, eu não sou vagabundo, sou um cara carente, estirado aqui na praça Roosevelt, com o meu próprio teatro do absurdo no bolso, pensando nela!

Seu guarda, acabei de chorar lágrimas caubói _não os da montanha, mas os vaqueiros do asfalto_ no porão com Wander Wildner, que cantava as suas dores de trovador punk brega.

SÓ A LAMA CURA!

Leve a sua dor para as ruas, seus bares/seus mares, nade com ela no seco por debaixo das mesas, exponha-se, seja a vitrine de suas próprias escoriações, não se envergonhe, molhe o ombro do garçom amigo, derrame uma para o santo e entorne a próxima bagaceira com gosto de sangue e luto.

Se a vida dói, drinque caubói.

Wander Wildner, o que nossa dor idiota vai ser quando crescer? Rato de porão, rato de porão.

Cubra-se do negro do luto e qual um espadachim caricato leve a sua dor para um rolê nos subterrâneos da cidade. Quando estiver bem torto, ria da sua dor como um bêbado se diverte com a sua própria sombra em farrapos.

Auto-ajuda punk: não glamourize tanto a sua dor, tire onda, o amor é assim mesmo, como me disse um dia, num botequim imginário, um escriba italiano cheio das grapas: um beijo,dois beijos, três beijos, quatro beijos, cinco beijos... cinco beijos, quatro beijos, três beijos, dois beijos, um beijo... e FIM e pronto.

Xico Sá

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Tendo a Lua

Eu hoje joguei tanta coisa fora
Eu vi o meu passado passar por mim
Cartas e fotografias, gente que foi embora
A casa fica bem melhor assim

O céu de Ícaro tem mais poesia que o de Galileu
E lendo os teus bilhetes eu penso no que fiz
Querendo ver o mais distante sem saber voar
Desprezando as asas que você me deu

Tendo a Lua aquela gravidade
Aonde o homem flutua
Merecia a visita não de militares
Mas de bailarinos e de você e eu

Eu hoje joguei tanta coisa fora
E lendo os teus bilhetes eu penso no que eu fiz
Cartas e fotografias, gente que foi embora A
casa fica bem melhor assim

Tendo a Lua...

(Tetê Tillett - Herbert Vianna)

sábado, 5 de janeiro de 2008

Never, ever, ever, ever underestimate the power of "I'd like that."

So I was thinking' about relationships and about how it pertains to songs about relationships, and uh, I was trying to think, well it occurred to me that the key, I figured out the key to a relationship and how to make it work. Check it out, this is, this is, a tip from your uncle John, check it out: when you first meet somebody, you find out they like you, first of all, a friend of a friend of theirs say, he or she really really likes you, and it kills you, floors you, sends you to the ground, you've got to pick yourself up off the ground; then you get their phone number and you call them up, right, and you say "Yeah, that's a really great phone conversation, can I see you some time?" and then they say this, they say, "I'd like that."

Nothing feels better than "I'd like that".

So now, your blood pressures' going, you're six feet off the ground, you can't sleep, because of "I'd like that". So then you hang out for a while, and you call and you talk on the phone all the time, and then you drop the bomb, what feels like the bomb, you say, "You know what, I've been thinking about you a lot." And she goes, "Ahhhhhhh!" And you go "What happened?" and she goes, "I'm sorry, I just, I just, I just, that's, I've been thinking about you too." Bam. Higher into the sky.
But now "I'd like that." Tch. Done. Now you're up to "I'm thinking about you." Then however number of months pass, it makes you feel comfortable saying it, you say, "I gotta tell you something." They go "What?” you go "I'm in love with you." And nothing in the world sounds better than "I'm in love with you." And then maybe she starts crying, or maybe he goes "*gasp*". And all the sudden you're like "I'm in." But now what doesn't work?; "I'd like that." and "I've been thinking about you."

Now we're at "I'm in love with you."

Then maybe someday it'll move up to "I love you." Fast forward, now you're like "I love you a lot; I love you more than anything in life." Now "I love you." doesn't work. It's a threshold that keeps moving up. Fast forward, like six months, six weeks, whatever the case may be, now you're on like, "I want to marry you." "I want to impregnate you with my love." "I wanna, I wanna just send my love to you." "Damn it, words don't work anymore." And then you say this line, and you know, you know you've used this line before, "I just wish they'd put a new word in the dictionary bigger than love because love just doesn't describe what I feel." And so now he or she starts asking, "Do you love me?" and you start going, "Of course I love you." "Well say it." And then it becomes "Say it twice." And it goes "Say it three times."
And then, you cross a really interesting point, where all the sudden it becomes "I hate you, I hate you." And you go, "Oh my god she hates me." And now it's like "I hate you more than anything." And then it's like "We're over." And then they go "No we're not." And you go "Yes we are."

Now the words completely do not work at all, you're left with nothing. You're throwing punches under water. You're done. You know what the moral of that story is, if there is one:

Never, ever, ever, ever underestimate the power of "I'd like that."

(John Mayer)

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Entre o medo de ficar e o cagaço de partir

Existe um sentimento de heroísmo e sacrifício auto-infligido nesse exílio ao qual estou me submetendo. Sempre gostei de pensar na idéia do self-made man, do vim, vi e venci, do “Oh, yeah, I’ve been there, baby”. Acho que isso é reflexo de muito Johnny Cash, Bruce Springsteen e Sam Shepard... Ia dizer Hemingway, mas acho que aí já seria forçar um pouco a barra. E, venhamos e convenhamos, a Austrália não é exatamente Serra Leoa.

Tenho plena convicção que eu realmente viverei os meus anos de ouro por lá, que os próximos serão os anos que realmente farão a diferença no plano maior da minha vida, para principalmente dissipar essa nuvem preta que pairou sobre meus olhos nos últimos anos. Vai ser uma nova grande fase, certamente com bons e maus momentos, que servirá para eu finalmente aceitar que a fase anterior, também com seus bons e maus momentos, definitiva e inexoravelmente acabou. Tipo, a passagem da Idade Moderna para a Contemporânea.
Mas, apesar de saber disso tudo, dá um cagaço da porra ao pensar em largar tudo, pegar um avião e voar para o outro lado do mundo...
Eu tenho um apartamento inteiro para me desfazer, com todos os móveis, tralhas, eletrodomésticos, sonhos partidos e lembranças que todos acumulamos através dos anos. Tenho um emprego, meia-boca diga-se, para largar. Tenho amigos queridíssimos para dizer adeus até sei lá quando. Uma família para deixar para trás. E, o mais foda: tenho meus fantasmas, guardados em mim com laboriosa e paciente dedicação. Esses serão o mais difícil de deixar para trás.

Viverei uma vida de imigrante, sem previsão de volta. Quantos anos durará essa fase australiana? Gosto de pensar que será bem longa. Afinal, se eu ficar lá, é porque estará bom. Se eu voltar rápido e ainda achar que isso aqui, com toda essa merda, ainda é melhor do que lá, coitado de mim. Agrada-me a idéia do voltar, daqui a muitos anos, completamente diferente, calmo e experiente ao invés desse poço de ansiedade que sou hoje. Depois de vários anos de ausência, de ter conhecido a dor e a delícia de me ver sozinho em terras distantes, de ter amado e ter sido amado não uma, mas quantas vezes acontecerem, de ter aprendido finalmente alguma coisa sobre mim, sobre o meu país e sobre as pessoas que eu deixei para trás, voltar e enxergar tudo isso como se fosse a primeira vez, longe desse olhar viciado e condescendente que eu tenho hoje.

“Tyler, my eyes are wide open”. Vai ser do caralho algum dia dizer isso!