sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Minha trilha sonora em 2011

Eu gosto mil vezes mais do Last.fm do que do Facebook.  Eu acredito que se você realmente quiser conhecer alguém, uma olhada no que ela gosta de escutar - se é que gosta de escutar alguma coisa - já diz bastante sobre ela.

Toda a preguiça que eu tenho com o Facebook, de "fulano likes this", correntes, videozinhos engraçadinhos, uns protestos idiotas, todo mundo feliz e sorridente ou indignado com "esses absurdos todos que estão por aí" me falta na hora de ficar fuçando no Last.  Ali sim eu perco meu tempo deixando meu perfil atualizado.

Agora que o ano termina, segue abaixo o 10 discos que eu mais escutei durante esse ano esquisito que foi 2011:

1.  Danger Mouse & Daniele Luppi - Rome (347 execuções)

Danger Mouse é o cara e 2011 foi um ano muito bom para ele.  Além desse Rome, ele ainda produziu El Camino, do Black Keys, que acabou de sair e é bom demais também.  Provavelmente só não entrou nessa lista aqui por falta de tempo.
Rome é a fictícia trilha sonora de um filme imaginário de Sergio Leone que nunca foi filmado.  É spaguetti western e não é.  É retrô e não é.  É instrumental, é pop e é foda!  É o melhor disco desse ano, na minha opinião.
Jack White - outro para quem 2011 fez muito bem - e Norah Jones, aquela linda, emprestam suas vozes para algumas faixas.

Faixa favorita: Two Against One


2.  Renato Godá – Canções Para Embalar Marujos  (204 execuções)


Esse não é desse ano, é de 2010, mas eu continuo escutando da mesma maneira desde então.  Renato Godá é um cara de muito bom gosto, para os arranjos, os timbres, as atmosferas de suas canções e de suas letras.  É um disco que presta homenagem ao mestres como Leonard Cohen, Tom Waits e Serge Gainsbourg mas ainda mantém a cabeça erguida com personalidade e luz própria.
Diz que em 2012 sai o disco novo.  Aguardo ansiosamente.

Faixa favorita: A Cem Por Hora


3.  Paolo Nutini – Sunny Side Up (198 execuções)


Disco de 2009.  O segundo do moleque escocês com nome italiano e descrito pela crítica da época como um "suicídio comercial", aqui ele cria uma personalidade única na interpretação das canções, num sotaque às vezes irreconhecível, numa divisão silábica toda quebrada e nuns timbres esquisitos às vezes, mas que, depois de algumas escutadas, vira ouro puro.

Faixa favorita: Candy


4. The Black Keys – Brothers  (165 execuções)


Provavelmente a melhor banda por aí no momento, numa fase fantástica.  Esse ano lançaram El Camino e em 2010 foi a vez desse Brothers, dois puta discos.  Com a banda formada apenas por um baterista e um guitarrista, o som que sai é moderno e atemporal, com uma pegada blueseira e garageira assobiável e fácil de bater o pezinho junto.  Além de seguirem muito bem a cartilha Foo Fighters de clipes-engraçadinhos-bem-feitos-pra-cacete.  Clássico!

Faixa favorita: Howlin' for You


5.  The National – High Violet  (149 execuções)


Pensando melhor, acho que passei 2011 escutando muita coisa de 2010.  Que pouco moderno.
Esse disco também é incrível.  É o canto do macho perdido no século 21.  A voz de barítono de Matt Berninger, com aquele eco de Joy Division e aquele baixão pós-punk e letras ao mesmo tempo muito pessoais e bastante crípticas, traz para os anos 10 aquela urgência, confissão e dúvida de uma maneira sincera e direta.  Pra pensar na vida pela janela do carro.

Faixa favorita: Sorrow


6.  Mumford & Sons – Sigh No More  (146 execuções)

Outro disco "velho" que tem rolado non stop desde 2009 e a banda que eu tive o grande prazer de assistir ao vivo.  Sigh No More é daqueles discos de colocar embaixo do travesseiro.  É o disco de estréia deles, com letras inteligentes, uma banda nova mas com personalidade de veterana, arranjos folk mas sem ser cabeçudo ou "olha-como-somos-bacanas-e-gostamos-de-bob-dylan".  Foi a banda que fez o banjo ser legal.
Eles estão enrolando com o disco novo faz tempo.  Torço demais para eles não fazerem nenhuma cagada e estragarem uma carreira que tem tudo para ser brilhante.

Faixa favorita: Roll Away Your Stone


7. Criolo – Nó na Orelha  (129 execuções)


Polêmico pelos motivos errados, sem dúvida esse foi um dos melhores discos brasileiros do ano.  As picuinhas da "nova cena" ou "novos movimentos sambinhas" devem ser ignorados e o disco escutado com atenção.  A produção fodaça de Daniel Ganjaman faz a cama para Criolo criar um som estiloso sem se prender a muitos rótulos ou estilos, embora a linguagem e a estética do rap meio que criam a unidade do disco inteiro.

Faixa favorita: Subirusdoistiozin


8 . Ray LaMontagne and the Pariah Dogs – God Willin' & The Creek Don't Rise  (118 execuções)


Outro disco de 2010.  Ray LaMontagne é daqueles cantores que realmente sabem cantar.  Sua voz é carregada de sentimento e profundidade e ele sabe colocá-la para fazer a canção funcionar.  Dessa vez ele se juntou ao Pariah Dogs e foi juntar a fome com a vontade de comer.  Aqui ele sai um pouco do folk introspectivo que ele normalmente pratica e vai respirar novos ares.

Faixa favorita: Beg Steal or Borrow


9. Aloe Blacc – Good Things  (110 execuções)


Esse Aloe Blacc é daqueles caras que são tão talentosos que dão até raiva.  Naquela linha de caras como Marvin Gaye e Isaac Hayes, aqui ele mostra que aprendeu bem com os mestres e dá uma aula da canto, arranjos sofisticados e bom gosto na escolha de repertório.  As canções de amor intercalam-se com as de críticas sociais, sem nunca cair no óbvio ou no panfletário.

Faixa favorita: You Make Me Smile


10.  Karen Elson – The Ghost Who Walks  (107 execuções)


Eu disse que 2011 tinha sido um ano tão bom para o Jack White pós-White Stripes que até o disco da ex-mulher, que ele produziu, escreveu letras e tocou bateria, é excelente!  Karen Elson é muito muito gata, muito estilosa e sua voz se encaixa perfeitamente na atmosfera do disco e das canções que ela interpreta.  Jack White cria aquela atmosfera retrô-analógica-muderna com uma personalidade que fazia tempo que ele não demonstrava.  Difícil saber se a moça sobrevive a um segundo disco sem o ex-maridão, mas de qualquer forma, The Ghost Who Walks é uma prova indiscutível de talento da supermodel.

Faixa favorita: 100 Years From Now

E em 2011?  O que você escutou de bom?

domingo, 23 de outubro de 2011

Bad As Me


Eu considero Tom Waits um sopro de lucidez nesses tempos surreais em que vivemos.  


Isso falando de um cara que faz uma música que não faz concessões, barulhenta, intensa mas absolutamente autêntica e original, diz bastante sobre a situação de música e arte por aí.


Uma observação do sr. Waits publicada hoje no The Guardian, sobre a suposta "liberdade" de escolha que temos hoje:



"They have removed the struggle to find anything. And therefore there is no genuine sense of discovery. Struggle is the first thing we know getting along the birth canal, out in the world. It's pretty basic. Book store owners and record store owners used to be oracles, in that way; you'd go in this dusty old place and they might point you toward something that would change your life. All that's gone"



Se tiver um minuto, vá atrás de suas entrevistas.  Qualquer uma.  De qualquer época.


Tom Waits lançou um disco novo esses dias, chama-se Bad As Me.  É uma coleção de 13 canções maravilhosas, com um agudo senso estético de desespero e beleza em meio ao caos.  Ele está ficando melhor com a idade e com o tempo, achou sua voz e o que quer dizer e consegue expressar-se com uma aparente simplicidade que apenas décadas de trabalho e de lapidações de canções conseguem fazer, como acontece apenas com os gênios.  E eu nunca uso essa palavra.


Ninguém vai escutar esse disco.  
Quem, por acaso tentar pelo hype em torno dele, vai desistir na terceira música, perguntar: "Por que ele canta assim?? Que coisa esquisita", apertar o shuffle do iTunes, que vai escolher uma música entre as milhões que estão ali, cair em qualquer merda, que pode ser de Lady Gaga a Lady Antebellum, enquanto fica no Facebook, recebendo e repassando coisas engraçadinhas, como um gato tocando piano ou a dica do seu horóscopo.


O interesse ou a vontade de se deixar impressionar pelo novo foi substituída pela necessidade de estar conectado e de dar risada antes de todo mundo sobre o último vídeo ou polêmica na internet, que pode ser uma atriz bêbada falando merda na área vip de um festival de música ou uma mina utilizando pão e maionese de maneira pouco ortodoxa.


Música virou barulhinho ambiente, algo que fica ali tocando enquanto você está ocupado fazendo outra coisa.  
Arte virou distração, uma coisa para te distrair e te relaxar.  Tem que ser fácil, mastigado, estrofe-estrofe-refrão-bridge-estrofe-refrão, simples, assobiável, capítulos curtos, engraçadinho, com um mercado específico e definido, muita figura e com um final que não te surpreenda.  
"Já temos para nos preocupar na vida, vou querer ver filme que me faça ficar triste??".  


Enquanto isso, Tom Waits está por aí, fazendo o que faz melhor.  
Suas canções e seus discos também ficarão, naquela prateleira empoeirada lá no fundo do sebo com a plaquinha "música de velho / música difícil".


Uma tristeza.


quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Free Rafinha

Para começar, eu não gosto do Rafinha Bastos.
As piadas do "homem mais influente do Twitter" costumam sempre despencar para o mau gosto, o palavrão gratuito e o riso nervoso e fácil do chocar simplesmente pelo chocar.  Da mesma forma, eu tenho sempre a tendência de não gostar de nada que se assemelhe vagamente a essa nova onda de shows de stand up brasileiros.  O ponto não é que me ofendem de qualquer forma ou que eu acredite que humor tem que ser feito de um jeito ou de outro.  Eu simplesmente acho chato pacas.

Comédia stand up é provavelmente das mais difíceis de serem feitas por necessitar de um ritmo, um vocabulário e de uma gama de idéias que normalmente as pessoas que se arriscam no gênero no Brasil simplesmente não possuem.
Claro que existem milhões de humoristas sem graça tentando fazer stand up em qualquer lugar, Estados Unidos incluso.  Porém, temos que admitir que os americanos, certamente os pais do formato, mostraram o que essa forma de humor tem de melhor: Eddie Murphy nos 80, George Carlin, Lenny Bruce e por aí vai elevaram o gênero stand up ao que ele tem de melhor.  E não se engane: nas apresentações de todos esses citados tem muito mais palavrão e termos chulos do que em qualquer apresentação de Rafinha ou congêneres.  A diferença é que, nesse caso, as palavras tem uma razão muito clara de estarem onde estão.  E isso é simplesmente uma opinião.

O humor brasileiro sempre foi calcado em gêneros, personagens.  A bicha, o negro, o gordo.  Nós sempre achamos mais engraçado rir do outro do que rir de nós mesmos, que é a alma da comédia stand up, aliás.  Rir do deficiente, da loira burra, do português é muito mais legal, certo?  Agora, veio falar de mim, a coisa aperta.
Lembra daquele video do YouTube que o "comediante de pé" brasileiro chega no palco, aponta o dedo pra alguém da platéia, chama um cara de gordo, ele sobe no palco e dá um soco no artista em questão?  Por aí....

Como todo mundo, tenho acompanhado a saga Rafinha Bastos x Wanessa Camargo e family.  Se você esteve em Marte nos últimos tempos: a moça tá grávida e Rafinha, querendo dizer que ela estava gostosa, disse em rede nacional, na bancada do programa CQC do qual é apresentador que "comeria ela e o bebê".  Uau!!  Engraçadíssimo, certo?  Até aí nenhuma novidade.
Um parênteses: a piada não é mais sem graça que qualquer uma do Zorra Total ou da Escolinha do Professor Raimundo que, bem lembramos, tinha entre seus personagens a gostosa burra, o judeu, o caipira ignorante, o árabe avarento e o índio, para citarmos alguns clássicos do repertório humorístico brasileiro.
A razão de considerarmos esse programa um clássico do humor brasileiro e a piada de Rafinha um caso de polícia me escapa agora.

Voltando à repercussão do caso.  Aparentemente, ele mexeu com a pessoa errada.  A tal da Wanessa é filha de um cantor sertanejo muito famoso e casada com um outro tal de Marcus Buaiz que, dizem, é um empresário fodão, amigo do Ronaldo Nazário (não confundir com o Ronaldo Fenômeno da Seleção e do meu Corinthians), influente na TV Bandeirantes e num monte de outros lugares e foi aí que o Rafinha se fudeu: foi afastado do CQC, perdeu contrato de patrocínios e foi hostilizado pela "opinião pública" como o novo Herodes do pedaço.  Ele já tinha se metido em outras polêmicas anteriormente com outras piadas igualmente estúpidas de estupradores e mulheres feias e de orfãos no dia das mães, que nem valem a pena serem repetidas.

Se a situação e a punição de Rafinha já eram esquisitas antes (a Bandeirantes não contratou o cara justamente por ele ser mal educado e desbocado? Humm...) a cereja do bolo foi a notícia de que Wanessa, o maridão e o filho que ainda nem nasceu (!) entraram com uma ação de indenização e danos morais contra o humorista no valor de CEM MIL REAIS (!!!!).

Ok, pausa.

Tudo bem, vivemos numa sociedade em que qualquer um pode processar qualquer um por qualquer motivo que se ache justificado.  Isso é um direito inalienável e necessário para o funcionamento de uma sociedade civilizada.  No caso, a honra da família foi supostamente atingida e eles consideram que cem paus pagaria essa honra maculada. Mas, peraí, sou eu ou tem alguma coisa errada quando um humorista perde o emprego, é processado e hostilizado por fazer o que lhe pagam para fazer??

Tenho acompanhado a questão de perto nos meios de comunicação e redes sociais e estou curioso com o desenrolar do caso.  De uma forma ou de outra, a situação tem implicações éticas muito delicadas, resvalando em preceitos fundamentais como LIBERDADE DE EXPRESSÃO que, num país com uma democracia tão incipiente como a nossa, toma proporções muito mais complexas e graves.

Alguém, em sã consciência, realmente acredita que Rafinha Bastos tenha algum desejo de manter relações sexuais com um recém nascido?  Acredito que não.  O formato no qual ele fez a declaração era um programa de humor no qual, entende-se, não é para ser levado a sério.  Você não gosta do humor que Rafinha Bastos faz?  Não assista seus programas, não compre seu DVD, não vá a seus shows, ignore que ele existe.  Isso é a maravilha da democracia: você não é obrigado a consumir nada que considere ofensivo ou que não lhe agrade (falando de Brasil, muitas aspas aqui).

Se Wanessa e cia ganharem a ação, isso abre precedente para que?  Para que artistas tenham que entregar suas obras para aprovação antes de levá-las a público para não correr o risco de ofender os interesses de terceiros?  Ofender minorias tudo bem, desde que o lobby delas não seja forte o suficiente para supostamente se defenderem como os paladinos dos bons costumes de plantão estão fazendo?  De qualquer forma, além da óbvia hipocrisia do caso, eu sinto um cheiro nojento de censura nessa história toda.

Não estou defendendo Rafinha Bastos nem nenhum dos merdas que fazem o CQC.  Entretanto, quero pensar que eu moro num país onde eles podem dizer o que quiserem e falar o que quiserem enquanto existirem pessoas que querem ouvir o que eles tem a dizer ou achar engraçadas suas piadas.  Eu sei o tipo de humor que eu consumo - engraçado para uns, nem tanto para outros - e que EU tenho a liberdade de dizer um "vai tomar no cu" e mudar de canal instantaneamente cada vez que eu vejo aqueles caras de terno preto fazendo propaganda de refrigerante enquanto xingam o Congresso na minha TV.

Não quero ninguém decidindo isso por mim.


quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Daytripper


Algumas obviedades que você provavelmente já ouviu por aí:
  1. Fábio Moon e Gabriel Bá são dois dos maiores artistas de quadrinhos brasileiros desde...  Bem, desde sempre.
  2. A qualidade e a diversidade que o gênero quadrinhos adquiriu nas últimas décadas e sua conseqüente diversificação de mercado permitiu que diferentes tipos de histórias pudessem ser contadas nesse formato, com resultados mais ou menos bem sucedidos.
  3. O Brasil não oferece nenhum reconhecimento a muitos dos talentos que tem, fazendo com que muitos deles tenham primeiro um reconhecimento “lá fora” do que por aqui.

Tudo verdade.

Quem acompanha o trabalho de Moon e Bá sabe do talento que os irmãos gêmeos sempre demonstraram em seu trabalho.  Porém, sinto que ainda faltava uma obra definitiva, uma união efetiva entre a arte e o texto, que justificasse a linguagem de arte seqüencial que eles inegavelmente dominam, onde o texto e a arte se complementam harmoniosamente, sem um se sobressair ao outro.  Daytripper, que acaba de ser lançada no mercado brasileiro pela Panini, veio para preencher essa lacuna.   





A obra foi originalmente lançada no mercado americano, pela Vertigo, selo de quadrinhos adultos da DC Comics.  Foi vencedor de diversos prêmios, inclusive o respeitado Eisner como melhor minissérie de 2011.  
Já no Brasil....

Enfim...

A obra é um primor em qualquer aspecto que se analise: a arte é arrebatadora e se encaixa perfeitamente no ritmo e fluidez da história.  Os personagens são humanos, demasiadamente humanos, e vamos acompanhando e nos identificando, através de suas vidas, o quanto temas como família, amizade, amor e morte são caros e relevantes a todos nós.
O fato da história se passar no Brasil, em diversas cidades, passa ao leitor brasileiro uma sensação de familiaridade ainda maior.  Mérito total da arte, os detalhes das pessoas, arquitetura e hábitos de várias cidades brasileiras, aumenta significantemente para nós a intimidade e identificação com a obra.



A narrativa da história é ousada, abusando de regressões temporais, cortes, idas e vindas no desenvolvimento da história, mas que nunca fica confuso, pretensioso ou difícil de acompanhar.  Nesse caso, ela serve justamente para desenvolver as complexidades e profundidades dos personagens, especialmente do protagonista Brás Oliva Domingos.  Outro ponto em que a dupla acertou em cheio!
A obra foi originalmente publicada como uma minisérie em dez edições.  A divisão dos capítulos sempre deixa o leitor com um nó na garganta quando um termina e outro começa.  Nos faz parar para coçar a cabeça e nos lembrar que todo dia pode ser um dia daqueles, onde tudo pode mudar e que não conseguiremos esquecer.

Não vou fazer um resumo do livro aqui porque creio que reduziria demais o conjunto de idéias profundas que Daytripper alcança. 


Saiba apenas que aqui ninguém tem super poderes ou vem de outro planeta.  Aqui as pessoas vivem suas vidas da melhor maneira que conseguem, tentando se relacionar com os que amam do jeito que sabem.  Como eu.  E como você.

É um trabalho muito bonito, que realmente emociona pela honestidade e carinho com que os personagens se desenvolvem e seguem seus destinos.   Uma obra de arte!



terça-feira, 9 de agosto de 2011

London Calling



Nesses dias estranhos temos a sensação da história acontecendo diante de nossos olhos, a transformação parece inexorável e definitiva e temos a certeza de que o mundo não vai mais ser o mesmo.
Não é simplesmente um evento isolado, numa cidade distante.  É um espírito no ar gerando mudanças em todos os lugares ao mesmo tempo.

A história ensina que as grandes transformações, o fim e o início de novos ciclos, geralmente não ocorrem por influências externas, mas pelo próprio sistema que corrói a si mesmo até desmoronar sob seu próprio peso.

Esses tempos me fazem pensar que uma nova forma de viver é possível, que as coisas não foram "sempre assim".  Destruição e reconstrução são inevitáveis como o dia e a noite.

É uma época boa de se estar vivo.

sábado, 6 de agosto de 2011

The girl next door

 
Sempre gostei demais da Nancy Sinatra.  Uma mulher linda, cheia de personalidade e atitude, um rosto e voz suaves mas com um olhar misterioso, que esconde segredos terríveis. 
É aquela construção agridoce, que esconde uma aspereza por baixo da melodia assobiável.  A maquiagem borrada sobre o rosto de anjo.
Ela me conquistou definitivamente com o cabuloso disco Nancy Sinatra, de 2004.  A turma que ela conseguiu juntar nesse disco é brincadeira: Morrissey (que é obcecado por ela desde a adolescência), Jon Spencer (meu mais novo guitar hero), Thurston Moore, Jarvis Cocker e a turma do U2, pra citar alguns.
A maior parte de sua produção musical foi feita no meio dos 60 até o começo dos 70.   Portanto, em 2004, Nancy, indiscutivelmente ainda cheia de talento, mojo e experiência, já era uma respeitável senhora, e com uma capacidade de seduzir - os olhos e ouvidos - que os anos transformaram em admiração e respeito.

Porém, geração Y, seus problemas acabaram.

Estava à toa na vida e outro dia, por acaso, vi num post do Popload a bela figura de Lana Del Rey.  O Lucio Ribeiro é um cara que sabe das coisas, é divertido, porém seu estilo é hiperbólico demais e quem segue os textos dele sabe que tem que pensar algumas vezes antes de comprar todas as "maravilhas" que ele indica.

Com Lana Del Rey, o cara acertou em cheio. 



 Ela tem 25 anos e ainda está gravando seu primeiro disco.  Suas poucas músicas disponíveis já mostram uma artista cheia de estilo, nuances e camadas, pop ao extremo mas com aquele jeito de quem tem algo mais a dizer.  Tem aquele mesmo brilho no olho sacana/inocente que popularizou a filha do Frank no passado. 
É o clichê do universo pop, mas essa mixed message sempre funciona.

Os dois videos abaixo são sensacionais e as músicas são incríveis.  A opção estética pelo antigo em contraste com o novo, desenho animado e video game, gera uma estranheza que torna difícil desviar o olhar. 
Ela ensina que não é preciso rebolar nem ter que se vestir "sensual" para seduzir.  O que faz um cara perder a cabeça, sabemos, é um olhar, um sorriso roubado, aquela arrumada no cabelo, a girl next door. 
Mas isso é só para quem pode, não é para quem quer.

Esperando o disco novo como criança espera o natal.

Os videos.  Enjoy.



Kinda Outta Luck


Video Games

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Like a Rolling Stone





Fui convidado por uma amiga para uma festa na casa de um vizinho dela no Lago Norte, em Brasília.  As festas do vizinho sempre eram bem animadas, segundo ela, a casa era grande, sempre tinha bastante cerveja gelada e, a melhor parte, o vizinho tocava numa “banda cover dos Rolling Stones”.  Não estava fazendo nada mesmo, vamos nessa.

O som estava alto.  Conseguia escutar You Can´t Always Get What You Want no quarteirão de trás da casa.  Pela altura da música, já imaginava que estava indo para uma festa na Mansão da Playboy.  Pura ilusão.  Quando chegamos, o cenário era bem menos excitante: uma casa grande, bonita, mas com meia dúzia de gatos pingados em pé com frio, chacoalhando os joelhinhos, enquanto a banda tocava.  Minha amiga não conhecia ninguém - eu menos ainda.  Roubada, pensei.

Nos olhamos e rapidamente corremos em direção à tina de cerveja.  Realmente estava gelada.  Achamos um canto próximo à banda e começamos a assistir ao show.

Aqui coloco um parênteses.

Nunca entendi muito bem esse negócio de banda cover.  Na minha cabeça, banda cover é coisa de moleques de 15 anos, fãs de punk rock, que não sabem tocar direito e querem tirar uma onda tocando um som que gostam e que não seja muito difícil.  O barato de ter banda é tocar as suas próprias músicas, foi o que sempre pensei.

Enfim...

Essa banda que assisti no último sábado era tudo menos amadora.  Os músicos eram excelentes, pessoal mais velho, os equipamentos e instrumentos eram de primeira, tudo bem equalizado, os caras tinham um repertório de quem sabia do que estava falando.  Não sou nenhum grande fã de Rolling Stones, mas eu sei quando as versões são boas ou não.  E a deles era excelente.  Tocaram todos os hits, umas antigas e “um pouco de Stones anos 90 para vocês” rigorosamente igual às versões originais.
E a postura dos caras no palco improvisado foi o que mais me chamou a atenção.  Embora eles estivessem tocando em casa - o tal do vizinho era o Ron Wood do rolê - para meia dúzia de amigos, a impresão é que eles estavam tocando no Rock in Rio: “quem sabe agora canta junto!”, “tá bonito” e vários “oh, yeah” bem encaixados serviam para chamar a massa para a celebração rock n´roll.  
Mas o que me deixou passado foi o guitarrista, o Keith Richards brasileiro.  Beirando seus 60 anos, calça jeans e blusa de moleton cinza, meio careca de óculos, o cara parecia aqueles tiozinhos bem caretas que a gente encontra em repartições públicas (estando em Brasília, a possibilidade é real).  E o cara era um monstro na guitarra!  Sem sacanagem, nesse universo de guitarrista de rock clássico, estilo guitar hero, solos com milhares de notas durante 15 minutos e o caralho, ele era o cara.  

Nenhum dos caras da banda vive de música, fiquei sabendo.  O tesão deles é justamente emular, nota por nota, trejeito por trejeito, a atmosfera e a música de seus ídolos, mais do que se expor ou se desgastar com trabalhos autorais.  Pelo que vi, eles devem ter acumulado milhares de horas de ensaios e treinamento e devem ter desembolsado uma bela grana em equipamentos para atingir o som, a técnica e o entrosamento que demonstraram.  

Todos nós já vimos milhares dessas bandas cover pelos barzinhos da vida, bandas de formatura ou de casamentos, que tocam, melhores ou piores, as músicas que um determinado público quer ouvir, sem que role necessariamente uma identificação dos músicos com o que estão tocando.
No sábado, eu vi o contrário.  Uma banda se divertindo, sábado à noite, em casa, com poucos amigos - acho que se não tivesse ninguém a execução deles seria a mesma - replicando um som com os quais eles claramente são apaixonados.  Fez parar para pensar.
 
No fim das contas, foi uma noite divertida.  A banda me devolveu por algumas horas uma fé no rock n'roll que já andava meio adormecida para mim.  E nem eu acreditei quando me vi fazendo o famoso corinho ("uhh uhh") de Sympathy for the Devil às 3 horas da manhã.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Everyone Loves You When You're Dead



Neil Strauss é um cara que sabe das coisas.

Jornalista cultural de diversas publicações como o New York Times, Rolling Stone, Spin, entre várias outras, ele dominou o formato de entrevistas oferecendo ao leitor um material muito mais profundo e original do que um informe publicitário sobre o último produto que determinado artista está divulgando como é o lugar-comum no jornalismo musical atual. Em suas conversas francas e diretas, o que importa é justamente o que não está evidente nos releases ou falsas imagens construídas pelos marketeiros de plantão.
Ele também é co-autor da deliciosa biografia do Mötley Crue (The Dirt) e da antiga rainha do cinema pornô Jenna Jameson (How to Make Love Like a Pornstar).

A principal característica de seu trabalho é a compaixão e a empatia que ele demonstra com seus entrevistados. O aparente entendimento de que as pessoas são como são e que não há nada a fazer a não ser tentar entendê-las dá aos entrevistados uma tranquilidade de abrir-se sobre diversos temas que normalmente não lhes são perguntados.
Strauss nunca tenta parecer fazer parte da turma ou mais inteligente ou descolado que as pessoas que lhe dão seus depoimentos. Com isso, ele consegue verdadeiras pérolas!

Seu último livro, Everyone Loves You When Your’re Dead, é fantástico.

A lista dos personagens que dão seu depoimento no livro é quase ridícula: Bruce Springsteen, PJ Harvey, Leonard Cohen, Johnny Cash, Eric Clapton, Marilyn Manson, Grateful Dead, Pink Floyd, Courtney Love, Brian Wilson, Dolly Parton, Snoop Dogg, Oasis, Madonna, Trent Reznor, Lady Gaga, Korn, Britney Spears, Led Zeppelin, the Who e mais uma infinidade de artistas, maiores e menores, alternativos ou comerciais, famosos e anônimos.
Strauss foi consultar diretamente as suas gravações originais das entrevistas e, sem a tesoura editorial que existe nos grandes veículos, pôde tecer uma linha de raciocínio e uma narrativa lógica baseada em diversos trechos de entrevistas, que vão e voltam numa edição ágil e quase cinematográfica, e que expõe diversas opiniões e impressões sobre um mesmo tema, às vezes constrastantes, outras complementares.
O autor nos coloca na cena, nos conta o que está acontecendo enquanto aquela conversa de desenvolve. Sentimos a mesma antipatia do entrevistador enquanto tenta manter uma conversa minimamente coerente com um Julian Casablancas completamente bêbado, chato e alheio ao papo, por exemplo.

Neil Strauss parte da opinião que qualquer entertainer, qualquer ser humano que resolva assumir um papel de protagonista nesse jogo do showbusiness, o arquétipo do “ídolo”, a vida na estrada, a dinheiro, os bajuladores, as diferentes variações do trinômio “sexo, drogas e rock n’roll”, possui alguma forma mais ou menos séria de disfunção - ninguém pode olhar para gente como Marilyn Manson ou Lady Gaga e achar que eles operam na mesma frequência das pessoas como nós que fazem fila no banco ou no cinema.
E tantos deles são tão infelizes, fizeram tanta mas tanta merda na vida, que quase lamentamos as escolhas que eles fizeram e, de certa forma, nos fazem repensar as nossas próprias, de uma forma ou de outra.

Num dos meus capítulos favoritos, o tema que norteava todas as conversas era justamente sobre essa inadequação e essas formas de “loucura” que conduzem um processo criativo. É quase patético ler a entrevista do multi-milionário-agora-ganhador-do-Oscar Trent Reznor, do Nine Inch Nails, discorrendo sobre os malefícios da fama, do quanto ele sentia-se deslocado no mundo, com todo o dinheiro que ele ganhava e que, segundo o próprio, o fazia agir como um asshole com os outros, enquanto vemos entrevistas com outros músicos, igualmente problemáticos mas que verdadeiramente tiveram esgotamentos nervosos, ficaram anos internados em instituições e que nunca realmente conseguiram se encaixar no mundo.
E sem um publicist ou gravadora ganhando em cima.

Para quem gosta desse universo, Everyone Loves You When Your’re Dead é uma aula de jornalismo musical e de cultura pop. É o que acontece nos bastidores, são as pessoas reais (ou uma versão próxima disso) que existem por baixo das imagens que estamos acostumados a consumir.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Terceiro ato

Já que estou justamente nos tais 30...


Aos dez anos, eu acreditava que a idade adulta começava aos vinte. Aos vinte, achei que ainda não havia chegado lá e decretei que adultos eram só os com mais de trinta. (Convenhamos, a apenas seis primaveras da oitava série você é, no máximo, um pós-adolescente: provavelmente ainda mora com os pais, deixa a toalha molhada em cima da cama e siglas como IPTU ou FGTS fazem muito menos sentido do que MILF ou THC.) Ao completar a terceira década de vida, contudo, não tive como protelar: alguns fios brancos no queixo, projetos de rugas nos cantos dos olhos e entradas moderadas avançando pelo couro - já não tão - cabeludo me atestavam, no espelho; eis aí um espécime maduro, acabado e plenamente desenvolvido de homo sapiens sapiens. E, sabe o que? Fiquei bastante contente com a descoberta.


A infância é terrível. Você precisa chamar as autoridades competentes até mesmo para limpar a bunda, é incapaz de organizar verbalmente as ideias mais rudimentares e quando o faz por outras vias, como, por exemplo, pintando a parede da sala com seu estojo de canetinhas, fica um mês sem sobremesa. A infância é uma espécie de condicional, após a solitária do útero. Uma liberdade vigiada, que deve te preparar para a próxima fase infeliz: a adolescência. Ser adolescente é mais ou menos como mendigar em Paris ou estagiar numa empresa bacana: você já está lá, onde tudo acontece, mas não pode participar da festa; porque é duro, porque é nerd, porque é prego, ou porque tem que decorar o número atômico dos alcalinos terrosos e a função das mitocôndrias, para a prova da FUVEST.


Só tive o que comemorar, portanto, quando terminaram essas duas fases de tutela e me vi finalmente livre. Aos trinta, você escolhe bola, campo e o time em que quer jogar. Tá bom, pode reclamar que sua bola não é uma Jabulani, que o gramado está mais pra uma várzea do Tamanduateí do que pro tapete do Camp Nou, que no seu time só tem perna de pau. Mas uma das vantagens da idade adulta é que, ao contrário da infância e da adolescência, que passam num piscar de olhos – ou num xixizinho e numa ejaculação precoce, para nos atermos a imagens mais condizentes com o assunto - a maturidade dura quatro décadas; é tempo suficiente para você se acostumar consigo mesmo ou para mudar a situação. E talvez seja essa a maior lição da maturidade: saber discernir entre as coisas que você pode e precisa lutar para mudar e aquelas que deve simplesmente aceitar. Na infância ou na adolescência, ser ruim nos esportes era algo que me atormentava. “Por que, ó, Deus, fizeste-me o último a ser escolhido em todos os times, na Educação Física?”, eu perguntaria ao Senhor, se Nele acreditasse e decidisse importuná-Lo com meus resmungos. Hoje, isso é apenas um dado, quase indiferente, como ter cabelo castanho ou ser canhoto.


Se você está em torno dos trinta, pode lutar durante os próximos quarenta anos para realizar projetos e conquistar a(s) mulher(es) por quem estiver afim, para correr uma maratona ou ganhar dinheiro; mas vai ter que aceitar suas orelhas de abano ou pernas finas, o fato de não ter a lábia de Don Juan, a inteligência do Einstein nem a conta do Bill Gates. E por que não aceitaria? O mundo é grande, tá cheio de gente interessante e tem um monte de coisa boa pra fazer, mesmo não podendo pegar sempre a mais gata da festa, jamais descobrir uma segunda teoria da relatividade nem comprar um iate, numa quarta-feira à tarde, se estiver um pouco entediado.


Três décadas. Dá o que pensar. Mas não tenhamos pressa. Como disse uma amiga minha, nos últimos minutos dos meus vinte e nove: “Não se preocupe, meu querido, os homens começam as trinta”. Com calma, vamos aproveitar esse longo terceiro ato, antes que chegue o quarto – a velhice – e o quinto - sobre o qual não convém falar, por estar muito lá pra frente, só bem depois dos noventa. Ou dos cem? Cento e dez? Cento e quinze, cento e vinte...

Antonio Prata

terça-feira, 24 de maio de 2011

Quando uma coisa vira outra coisa (ou Minhas Versões Favoritas dos Beatles)

Sempre achei fantástico, no campo da criação, a dissociação existente entre autor e obra. Quando o produto finalizado sai da cabeça do criador e vira uma entidade autônoma e auto-suficiente, propensa a reinterpretações e releituras, muitas vezes obtendo resultados que se distanciam enormemente da intenção da obra original.
Tava pensando nisso outro dia, pensando em versões de músicas. Resolvi colocar aqui minhas versões favoritas de canções dos Beatles. É o caso de transformação a que me referia: o resultado final da canção a transforma em outra coisa, diferente da idéia original. E, vamos concordar: se o cidadão consegue dar um novo sentido à uma canção dos Beatles, merece no mínimo uma escutada.


Fiona Apple - Across the Universe

Aqui a melodia casa perfeitamente com a letra e intenção da canção. Um tom mais repetitivo e monocórdico, um riff de bateria que carrega a canção como um mantra. "Nothing's gonna change my world" nunca soou tão verdadeiro. E eu acho ela foda, ponto!




Elliott Smith - Because

Acho que essa é uma das mais respeitosas versões que conheço. Elliott Smith era um beatlemaníaco e o rigor com que ele interpreta esse clássico do Abbey Road, especialmente o começo a capela, é arrepiante!




Nick Cave - Let It Be

É inevitável associarmos a imagem do intérprete com o que ele está cantando. Nesse caso, a versão de Nick Cave - um cara que já viu de tudo um pouco nessa vida - traz uma honestidade e um sentimento de redenção novos à canção. É aquela coisa de católico culpado elevado a décima potência. Lindo!




Johnny Cash - In My Life

Aqui o negócio é muito sério. Uma coisa é imaginar Paul McCartney - compositor genial, sem dúvida alguma - novinho, meio ingênuo até, dizendo "in my life I love you more". Outra, completamente diferente, é imaginar Johnny Cash, outro que viu de tudo nessa vida, velho, doente, tendo perdido recentemente o amor de sua vida inteira, porém com aquela sabedoria que apenas o tempo oferece, repetindo a mesma frase. Arrepia toda vez que escuto.




Easy Star All-Stars - She's Leaving Home

Na versão original, sempre tive aquela impressão de "meninos-falando-sobre-meninas-Virgens-Suicidas-style", com aquele misto de admiração, fofura, tosquice adolescente e ignorância. Nessa versão do Easy Stars, a conversa parece ser mais íntima, menina falando sobre menina, e os moleques tentando escutar através da porta. Viajei?




Florence and the Machine - Oh Darling

Florence Welch demonstrou bastante personalidade em seu disco de estréia do Florence and the Machine, como faz também nessa versão de uma canções favoritas de um dos discos favoritos da casa.




Al Green - I Want to Hold Your Hand

Quando os Beatles cantaram essa canção em 1963, dá até pra imaginar que eles realmente queriam apenas pegar na mão da muchacha. A versão de Al Green é tão quente que ficamos na dúvida do que mais ele quer pegar.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Brasília 51 anos (ou Como Fazer Bons Eventos Culturais Públicos)



Nasci e passei uma enorme parte da minha vida em São Paulo e a imagem que eu tenho de eventos gratuitos realizados em espaços públicos é sempre de caos, aperto e dificuldade. Toda vez que eu encarava um show desses, já ia preparado para o pior: dinheiro trocado (pouco) e identidade no bolso, um tênis velho e confortável, muita paciência e vamo embora. Claro que, dependendo do evento, a zona é maior ou menor, mas a regra é que vai ser um stress chegar, sair, ir ao banheiro, comprar cerveja, se preocupar se a namorada vai ser arrastada pela multidão e, com sorte, conseguir ver alguma coisa.

Estou morando em Brasília há um ano e cada vez mais admiro os eventos realizados aqui, principalmente os que acontecem na Esplanada dos Ministérios. Sem brincadeira, para quem estava acostumado a ir à guerra, shows gratuitos em Brasília é um sonho dourado. São bem policiados, o espaço é amplo demais, o que evita aglomerações, tem um tiozinho da cerveja gelada sempre ao alcance da mãos e aquele visual de cenário do Jornal Nacional com o Congresso ao fundo faz parar para admirar.
Nesse último ano, fui ver Moby, Nação Zumbi, Móveis Coloniais de Acaju e outras coisas no maior sossego e conforto. Teve ainda o Porão do Rock, cheio de shows de bandas brasileiras e gringas que também foi na faixa e tudo funcionou direitinho. Tenho minhas diferenças com a cidade, mas nessa questão, a coisa aqui é exemplar.

Hoje, dia 21 de abril, é aniversário de 51 anos de Brasília. E ontem um outro evento público desses foi montado na Esplanada para comemorar.
Peguei o show do já citado Móveis, pratas da casa, com a participação bastante dispensável de Gabriel Thomaz, ex-Little Quail and The Mad Birds e atualmente no Autoramas, fazendo um revival do rock e rap de Brasília dos anos 90... Pela animação da galera, tava rolando mais uma festinha entre amigos do que um show mais abrangente. Quando Gabriel saiu e a banda voltou para seu set, as coisas melhoraram bastante.
Em seguida entrou o também brasiliense Galinha Preta, hardcore bobagento e divertidíssimo, muito bem capitaneada pelo carismático Frango, com canções de trinta segundos sobre temas variadíssimos: foi a primeira vez que eu vi uma banda se posicionar sobre o uso de sacos plásticos! Tive que comprar uma camiseta dos caras!
E fechando a festa, o sempre competente Monobloco veio do Rio e fez o seu básico bem feito, tocando bem alto suas versões “bateria de escola de samba” de todas aquelas canções que já são de domínio público - Tim Maia, Jorge Ben, O Rappa - e, jogando com a torcida, saíram-se muito bem como os headliners do dia.

Hoje sobrou uma baita dor de cabeça e a lembrança de uma noite bem divertida.

domingo, 17 de abril de 2011

Em busca da canção perfeita




Eu entendo você.
Eu sei que você também checa 200 blogs de música por dia, seu Twitter é só sobre isso e que você já gastou uma grana obscena com discos, DVDs, pôsteres e bonequinhos. Que a sua casa é entulhada de discos, biografias, ingressos de shows e revistas de música.

Eu sei que você não consegue passar por uma banca de jornal - se for daquelas grandonas, melhor ainda - sem bater o olho na seção das revistas importadas para ver quem está na capa da Word ou da Uncut (grande chance de ser a milésima capa do Paul McCartney ou do Bob Dylan) ou, vai, da Spin ou da Rolling Stone, que mesmo sendo uma merda, a vontade de folhear é maior do que as suas forças. O mundo pegando fogo, invasões alienígenas à sua volta, mulheres nuas correndo em chamas ao seu redor e você plantado de pé ali inconformado como que a Q deu três estrelas pro disco novo do, sei lá, do Eminem - tanto faz se você acha que deveria ser mais ou menos. E não que você seja fã dele ou algo do tipo. Você naturalmente conhece o trabalho do cara, todos os discos, os nomes dos produtores, uma meia dúzia de letras, o normal. O que todo mundo sabe, ué...

Eu sei que você já tem o seu método de anotar em algum lugar todos os discos que disseram ser maravilhosos que saíram na última semana que você precisa escutar - eu pessoalmente uso um programinha no celular. E depois vai passar horas e horas no seu programa de torrent favorito - que a essa altura você já considera como um membro da família.

Você não entende porque o Facebook é tão popular se o Last.fm existe. Qual é o problema das pessoas?

Eu também sei que você sabe a discografia inteira de umas 15000 bandas ou artistas, os nomes e datas dos lançamentos dos discos, os músicos, produtores, nomes de estúdios, o papel de cada um no grande universo da música pop.
A utilidade desse amontoado de informação, você mesmo concorda, é duvidoso mas esse não é bem o ponto.

Não tente me enganar: você pensa sobre isso o tempo todo. Você é capaz de esquecer de vestir as calças quando sai de casa mas nunca esquece o iPod, certo?
Você se sente pessoalmente ofendido quando aquela cantora cujo primeiro disco você gostou tanto de repente vira uma vaca que só aparece em revistas de fofocas, falando merda no Twitter e badalando com celebridades. A coisa era a respeito de música, não era? O que aconteceu?

Eu entendo a raiva que você fica quando alguém comenta sobre uma banda que você já ouviu falar mas, ou pelo celular estar sem bateria para anotar o nome na hora ou por você estar ocupado fazendo outra coisa, tipo trabalhando, você ainda não escutou. Ou a porra da música toca na balada, todo mundo canta e você só pensa onde achar uma conexão de internet bêbado às 3 da manhã.

Eu também, como você, acho que esse negócio de estilos musicais é uma falácia, sabe? Que diferença faz se o negócio é reggae, rap, hardcore, country, metal, eletrônico ou folk? Que saco essa coisa de você ter que se identificar com um estilo, uma tribo e um padrão de comportamento.
Até onde você sabe, música tem que ter pai e mãe. Música tem que emocionar. Ou fazer dançar. Ou fazer cantar junto. Ou te servir como trilha sonora enquanto você está ocupado com o resto da sua vida. Só isso. O resto é perfumaria.

Não fique assim. Eu te entendo.

Eu sei que, na verdade, essa sede de informação não tem a ver com uma necessidade de estar atualizado 24/7. Nem da vaidade de simplesmente ser o portador de tanta cultura e informação
(você já aprendeu do pior jeito que, em algumas situações, ocorre justamente o contrário e pega muito mal quando você resolve, por exemplo, discorrer sobre as diferentes vertentes da música jamaicana enquanto as pessoas que estão ao seu redor só querem que você cale a boca e escute o disco do Bob Marley que tá rolando).

Você, na verdade, está sempre em busca daquela canção, daqueles três ou quatro minutos de perfeição, onde os sons encaixam como por milagre, a letra - se for o caso - te fala de alguma coisa que já estava na sua cabeça e você nem sabia. Onde, por três ou quatro minutos, você não está mais no seu dia a dia, com suas responsabilidades e contradições. É você e aquela canção e só. Você foi abduzido. E a sensação é maravilhosa.

Naquela sua lista infinita do iTunes, você tem a consciência de que a grande maioria das canções ali não necessariamente vão te dizer ou acrescentar algo. A maioria é apenas um passatempo, um barulhinho de fundo. Essas, fatalmente, vão sumir nas areias do tempo e da sua memória, não tem jeito. Outras canções, em compensação, podem até sumir nas areias do tempo mas vão viver para sempre na sua memória e no seu coração.
Aquela canção compartilhada com alguém em silêncio - você sabe qual - aquela que tocou no carro quando aquela boa notícia chegou, os discos que tocaram sem parar durante aquela viagem maravilhosa.
Ou aquelas que te fizeram companhia em momentos mais introspectivos ou menos felizes. Aquelas que, quando todo o resto parecia irremediavelmente perdido, você sabia que ainda podia contar com elas, não importasse a situação.

E quando, num shuffle desavisado, numa terça-feira boba, muitos anos depois, ela te pegar distraído, aquela canção vai te levar de volta a um outro lugar, uma outra época. E você vai viver, durante aqueles três ou quatro minutos, as mesmas sensações que viveu então. Você vai estar em dois lugares no espaço e no tempo simultaneamente.

Não conheço muitas coisas na vida que provoquem esse tipo de sensação...

Relaxa, eu sei como é.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

La del pirata cojo




No soy un fulano con la lágrima fácil
De esos que se quejan solo por vicio
Si la vida se deja yo le meto mano
Y si no aún me excita mi oficio

Y como además sale gratis soñar
Y no creo en la reencarnación,
Con un poco de imaginación
Partiré de viaje enseguida
A vivir otras vidas,
A probarme otros nombres,
A colarme en el traje y la piel
De todos los hombres
Que nunca seré:

Al Capone en Chicago
Legionario en Melilla
Pintor en Mont Parnesse,

Mercader en Damasco
Costalero en Sevilla
Negro en Nueva Orleans,

Viejo verde en Sodoma
Deportado en Siberia
Sultán en un harén,

¿policía? ni en broma
Triunfador de la feria
Gitanito en Jeréz,

Tahur en Montecarlo
Cigarrillo en tu boca
Taxista en Nueva York.

El más chulo del barrio
Tiro porque me toca
Suspenso en religión,

Confesor de la reina
Banderillero en Cádiz
Tabernero en Dublin.

Comunista en Las Vegas
Ahogado en el Titanic.
Flautista en Hamelin.

Billarista a tres bandas
Insumiso en el cielo
Dueño de un cabaret.

Arañazo en tu espalda
Tenor en Rigoletto
Pianista de un burdel.

Bongosero en La Havana
Casanova en Venecia
Anciano en Shangri La,

Polizón en tu cama
Vocalista de orquesta
Mejor tiempo en Le Mans.

Cronista de sucesos
Detective en apuros
Conservado en alcohol.

Violador en tus sueños
Suicida en el viaducto
Tío guapo en un culebrón

Morfinómano en China
Desertor en la guerra
Boxeador en Detroid.

Cazador en La India
Marinero en Marsella
Fotógrafo de Play Boy.

Pero si me dan a elegir
Entre todas las vidas
yo escojo

La del pirata cojo con pata de palo,
Con parche en el ojo,
Con cara de malo,

El viejo truhán, capitán
De un barco que tuviera por bandera
Un par de tibias y una calavera.


Joaquin Sabina