quinta-feira, 21 de abril de 2011

Brasília 51 anos (ou Como Fazer Bons Eventos Culturais Públicos)



Nasci e passei uma enorme parte da minha vida em São Paulo e a imagem que eu tenho de eventos gratuitos realizados em espaços públicos é sempre de caos, aperto e dificuldade. Toda vez que eu encarava um show desses, já ia preparado para o pior: dinheiro trocado (pouco) e identidade no bolso, um tênis velho e confortável, muita paciência e vamo embora. Claro que, dependendo do evento, a zona é maior ou menor, mas a regra é que vai ser um stress chegar, sair, ir ao banheiro, comprar cerveja, se preocupar se a namorada vai ser arrastada pela multidão e, com sorte, conseguir ver alguma coisa.

Estou morando em Brasília há um ano e cada vez mais admiro os eventos realizados aqui, principalmente os que acontecem na Esplanada dos Ministérios. Sem brincadeira, para quem estava acostumado a ir à guerra, shows gratuitos em Brasília é um sonho dourado. São bem policiados, o espaço é amplo demais, o que evita aglomerações, tem um tiozinho da cerveja gelada sempre ao alcance da mãos e aquele visual de cenário do Jornal Nacional com o Congresso ao fundo faz parar para admirar.
Nesse último ano, fui ver Moby, Nação Zumbi, Móveis Coloniais de Acaju e outras coisas no maior sossego e conforto. Teve ainda o Porão do Rock, cheio de shows de bandas brasileiras e gringas que também foi na faixa e tudo funcionou direitinho. Tenho minhas diferenças com a cidade, mas nessa questão, a coisa aqui é exemplar.

Hoje, dia 21 de abril, é aniversário de 51 anos de Brasília. E ontem um outro evento público desses foi montado na Esplanada para comemorar.
Peguei o show do já citado Móveis, pratas da casa, com a participação bastante dispensável de Gabriel Thomaz, ex-Little Quail and The Mad Birds e atualmente no Autoramas, fazendo um revival do rock e rap de Brasília dos anos 90... Pela animação da galera, tava rolando mais uma festinha entre amigos do que um show mais abrangente. Quando Gabriel saiu e a banda voltou para seu set, as coisas melhoraram bastante.
Em seguida entrou o também brasiliense Galinha Preta, hardcore bobagento e divertidíssimo, muito bem capitaneada pelo carismático Frango, com canções de trinta segundos sobre temas variadíssimos: foi a primeira vez que eu vi uma banda se posicionar sobre o uso de sacos plásticos! Tive que comprar uma camiseta dos caras!
E fechando a festa, o sempre competente Monobloco veio do Rio e fez o seu básico bem feito, tocando bem alto suas versões “bateria de escola de samba” de todas aquelas canções que já são de domínio público - Tim Maia, Jorge Ben, O Rappa - e, jogando com a torcida, saíram-se muito bem como os headliners do dia.

Hoje sobrou uma baita dor de cabeça e a lembrança de uma noite bem divertida.

domingo, 17 de abril de 2011

Em busca da canção perfeita




Eu entendo você.
Eu sei que você também checa 200 blogs de música por dia, seu Twitter é só sobre isso e que você já gastou uma grana obscena com discos, DVDs, pôsteres e bonequinhos. Que a sua casa é entulhada de discos, biografias, ingressos de shows e revistas de música.

Eu sei que você não consegue passar por uma banca de jornal - se for daquelas grandonas, melhor ainda - sem bater o olho na seção das revistas importadas para ver quem está na capa da Word ou da Uncut (grande chance de ser a milésima capa do Paul McCartney ou do Bob Dylan) ou, vai, da Spin ou da Rolling Stone, que mesmo sendo uma merda, a vontade de folhear é maior do que as suas forças. O mundo pegando fogo, invasões alienígenas à sua volta, mulheres nuas correndo em chamas ao seu redor e você plantado de pé ali inconformado como que a Q deu três estrelas pro disco novo do, sei lá, do Eminem - tanto faz se você acha que deveria ser mais ou menos. E não que você seja fã dele ou algo do tipo. Você naturalmente conhece o trabalho do cara, todos os discos, os nomes dos produtores, uma meia dúzia de letras, o normal. O que todo mundo sabe, ué...

Eu sei que você já tem o seu método de anotar em algum lugar todos os discos que disseram ser maravilhosos que saíram na última semana que você precisa escutar - eu pessoalmente uso um programinha no celular. E depois vai passar horas e horas no seu programa de torrent favorito - que a essa altura você já considera como um membro da família.

Você não entende porque o Facebook é tão popular se o Last.fm existe. Qual é o problema das pessoas?

Eu também sei que você sabe a discografia inteira de umas 15000 bandas ou artistas, os nomes e datas dos lançamentos dos discos, os músicos, produtores, nomes de estúdios, o papel de cada um no grande universo da música pop.
A utilidade desse amontoado de informação, você mesmo concorda, é duvidoso mas esse não é bem o ponto.

Não tente me enganar: você pensa sobre isso o tempo todo. Você é capaz de esquecer de vestir as calças quando sai de casa mas nunca esquece o iPod, certo?
Você se sente pessoalmente ofendido quando aquela cantora cujo primeiro disco você gostou tanto de repente vira uma vaca que só aparece em revistas de fofocas, falando merda no Twitter e badalando com celebridades. A coisa era a respeito de música, não era? O que aconteceu?

Eu entendo a raiva que você fica quando alguém comenta sobre uma banda que você já ouviu falar mas, ou pelo celular estar sem bateria para anotar o nome na hora ou por você estar ocupado fazendo outra coisa, tipo trabalhando, você ainda não escutou. Ou a porra da música toca na balada, todo mundo canta e você só pensa onde achar uma conexão de internet bêbado às 3 da manhã.

Eu também, como você, acho que esse negócio de estilos musicais é uma falácia, sabe? Que diferença faz se o negócio é reggae, rap, hardcore, country, metal, eletrônico ou folk? Que saco essa coisa de você ter que se identificar com um estilo, uma tribo e um padrão de comportamento.
Até onde você sabe, música tem que ter pai e mãe. Música tem que emocionar. Ou fazer dançar. Ou fazer cantar junto. Ou te servir como trilha sonora enquanto você está ocupado com o resto da sua vida. Só isso. O resto é perfumaria.

Não fique assim. Eu te entendo.

Eu sei que, na verdade, essa sede de informação não tem a ver com uma necessidade de estar atualizado 24/7. Nem da vaidade de simplesmente ser o portador de tanta cultura e informação
(você já aprendeu do pior jeito que, em algumas situações, ocorre justamente o contrário e pega muito mal quando você resolve, por exemplo, discorrer sobre as diferentes vertentes da música jamaicana enquanto as pessoas que estão ao seu redor só querem que você cale a boca e escute o disco do Bob Marley que tá rolando).

Você, na verdade, está sempre em busca daquela canção, daqueles três ou quatro minutos de perfeição, onde os sons encaixam como por milagre, a letra - se for o caso - te fala de alguma coisa que já estava na sua cabeça e você nem sabia. Onde, por três ou quatro minutos, você não está mais no seu dia a dia, com suas responsabilidades e contradições. É você e aquela canção e só. Você foi abduzido. E a sensação é maravilhosa.

Naquela sua lista infinita do iTunes, você tem a consciência de que a grande maioria das canções ali não necessariamente vão te dizer ou acrescentar algo. A maioria é apenas um passatempo, um barulhinho de fundo. Essas, fatalmente, vão sumir nas areias do tempo e da sua memória, não tem jeito. Outras canções, em compensação, podem até sumir nas areias do tempo mas vão viver para sempre na sua memória e no seu coração.
Aquela canção compartilhada com alguém em silêncio - você sabe qual - aquela que tocou no carro quando aquela boa notícia chegou, os discos que tocaram sem parar durante aquela viagem maravilhosa.
Ou aquelas que te fizeram companhia em momentos mais introspectivos ou menos felizes. Aquelas que, quando todo o resto parecia irremediavelmente perdido, você sabia que ainda podia contar com elas, não importasse a situação.

E quando, num shuffle desavisado, numa terça-feira boba, muitos anos depois, ela te pegar distraído, aquela canção vai te levar de volta a um outro lugar, uma outra época. E você vai viver, durante aqueles três ou quatro minutos, as mesmas sensações que viveu então. Você vai estar em dois lugares no espaço e no tempo simultaneamente.

Não conheço muitas coisas na vida que provoquem esse tipo de sensação...

Relaxa, eu sei como é.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

La del pirata cojo




No soy un fulano con la lágrima fácil
De esos que se quejan solo por vicio
Si la vida se deja yo le meto mano
Y si no aún me excita mi oficio

Y como además sale gratis soñar
Y no creo en la reencarnación,
Con un poco de imaginación
Partiré de viaje enseguida
A vivir otras vidas,
A probarme otros nombres,
A colarme en el traje y la piel
De todos los hombres
Que nunca seré:

Al Capone en Chicago
Legionario en Melilla
Pintor en Mont Parnesse,

Mercader en Damasco
Costalero en Sevilla
Negro en Nueva Orleans,

Viejo verde en Sodoma
Deportado en Siberia
Sultán en un harén,

¿policía? ni en broma
Triunfador de la feria
Gitanito en Jeréz,

Tahur en Montecarlo
Cigarrillo en tu boca
Taxista en Nueva York.

El más chulo del barrio
Tiro porque me toca
Suspenso en religión,

Confesor de la reina
Banderillero en Cádiz
Tabernero en Dublin.

Comunista en Las Vegas
Ahogado en el Titanic.
Flautista en Hamelin.

Billarista a tres bandas
Insumiso en el cielo
Dueño de un cabaret.

Arañazo en tu espalda
Tenor en Rigoletto
Pianista de un burdel.

Bongosero en La Havana
Casanova en Venecia
Anciano en Shangri La,

Polizón en tu cama
Vocalista de orquesta
Mejor tiempo en Le Mans.

Cronista de sucesos
Detective en apuros
Conservado en alcohol.

Violador en tus sueños
Suicida en el viaducto
Tío guapo en un culebrón

Morfinómano en China
Desertor en la guerra
Boxeador en Detroid.

Cazador en La India
Marinero en Marsella
Fotógrafo de Play Boy.

Pero si me dan a elegir
Entre todas las vidas
yo escojo

La del pirata cojo con pata de palo,
Con parche en el ojo,
Con cara de malo,

El viejo truhán, capitán
De un barco que tuviera por bandera
Un par de tibias y una calavera.


Joaquin Sabina