quinta-feira, 31 de julho de 2008

Para minha estrela ausente

Tudo bem, querida

Ah, é? Você me liga: Oi, tudo bem? Estou terminando. Entre nós, sim, tudo acabado. Lindo enquanto durou. Agora acabado. Para sempre. Espero que sejamos amigos. Que historia é essa cara? Acabou, pô nenhuma! Um longo ano de paixão e loucura, e de repente oi, tudo bem, o fim de tudo?

Pra mim nada acabou, ô louca! Só do teu pouco juízo pra ser tão cruel. Ingrata e desgracida. Oco no peito, ninho de peludas viúvas negras. Ainda ontem, nua e perdida nos meus braços, o teu grande, eterno, único amor. E hoje: Oi, querido, tudo acabou. Corta essa cara. Dó, não sabe o que é? Em perdão nunca ouviu falar? Nem aviso nem nada - é o fim, tudo acabou -, o coração esfolado vivo com navalha sem fio. O amor doido de um ano se acaba com um tiro na nuca.

Na hora fui machão. "Tudo bem, se é o que você quer. Claro, ainda amigos, seja feliz". Assim que você desliga, mãezinha do céu, o olho cegou a lingua enrolou, a perna falhou, o meu nome esqueci. Que tudo bem, que nada. Pô nenhuma. Aqui estou plantado de quatro, ganindo para a lua vermelha dos amantes desprezados. Nada acabou, meu amor que era grande ficou maior, transborda do meu peito, sai pela janela, explode a cidade em sarças ardentes, uivos de dor, borboletas amarelas.

Durão, sim, às duas de uma tarde de sol. Nunquinha que às três da noite escura da alma, eu, a última das baratas leprosas.Agonizante na velha cama, o colchão furadinho de agulhas de gelo, o travesseiro de penas e brasas vivas. Única imagem, você perdida e nua nos meus braços. Única idéia: nua e perdida você nos braços de outro. Atropelo uma prece entre berros de um ódio que espuma. E o maldito pernilongo da insônia, oi querido, tudo bem? Me enfiando a faca no coração ainda me chama de querido. No peito, não, revolve a ponta fininha nas costas, assim dói mais.

Tudo bem, uma merda. Tudo mal, nunca esteve pior, desde a hora do famoso recado. Assim acaba o amor jurado de um ano inteirinho? De um telefone público, entre zumbidos e vozes, desculpa, querido, não posso falar, tem gente esperando. Nem a consideração do falso olho azul na cara. E se caio duro e mortinho ao ouvir a sentença de morte? Te dispensava de assistir à execução, o tiro de misericórdia na nuca. Misericórdia, pô nenhuma. Sabe lá o que é, cara?

Egoísta e pérfida, só uma bandida capaz de oi, tudo bem (e no mesmo fôlego, decerto sorrindo o tempo inteiro), tudo acabou, querido, é o fim, não me procure mais, se me vir na rua (nos braços de outro?) finja que nunca me conheceu, assim agente não sofre. Não sofre, a gente, pô? Fale por você sua cadela. E a mão suada e fria? A língua no sal? O vidro moído nas entranhas? A tremedeira do pé torto? Aqui estava numa boa, de repente o bruto murro na cara espirra olho, sangue do nariz, caco de dente - e tudo bem, querido?

Minha fonte única de alegria agora de todas as dores e aflições? Você, meu cálice de vinagre e fel, a broinha de cinza fria? Dá um tempo, ô cara. Isso não se faz. Não é assim que um amor acaba. Com tiro na nuca, a volta do parafuso nas costas, o soco na cara.

Machão, eu? O mais reles dos ratos piolhentos do amor. Sem honra nem palavra, por mim não respondo, todo me ofereço à vergonha da humilhação. Lembra da aranha? Você cortou com a tesoura as oito patas - cada uma ainda quis andar sozinha... e se distraiu a vê-la desfiar do ventre o recheio verde. Essa aranha roxa, ali no piso branco, sou eu. Mudo me retorcendo de tanta dor. Deliciada, eu em sem braço nem perna, debaixo do teu sapatinho prateado? O meu desespero goze à vontade. Tudo menos oi, querido, acabou o nosso caso.

pô que acabou. E eu, ô cara? Sem você, o que será de mim, já pensou? Não tem peninha? Eu morro, sua puta. Por você eu grito três dias sem parar. Me dá um tempo. Qual é a tua, cara? Como pode, até ontem me amava e hoje tudo acabado? E os teus bilhetes de juras eternas, as letras borradas de fingidas lágrimas? A isso chama de amor? Me beija na boca e no mesmo suspiro me acerta o ferrão de fogo. Tudo eu aceito, só não me deixe. Aqui na maior desgraça, não houve meu soluço e rasgar de dentes? Me dá um tempo, cara. Um mês, uma semana, um diazinho só.

Já não me quer? Tudo bem. Basta que eu te olhe, nem chego perto, no outro lado da mesa. Cafetina de corações solitários. Ó estripadora de alminhas líricas. Vendo o teu desprezo pode que ganhe coragem e força. Com as mãos arranco o próprio coração pelas costas.

Meus ossos já se desmancham, deixo cair garfo e xícara, puxo da perna esquerda. Me repito, eu? Pudera, no ouvido esse bando de baitacas gritando sangue, me acuda, inferno, eu morro. Dá um tempo, cara. Não assim, não para sempre: o fim do mundo às duas e quinze da tarde. Em vez da trombeta e a explosão, uma voz alegre no telefone público. Tudo bem, sinto muito, desculpa e obrigadinha.

Sente muito, você, a maior das assassinas? Tudo bem pô nenhuma. Não tem obrigadinha. Não tem desculpa. Quero você inteirinha de volta. Orgulho já não tenho. Merda para o orgulho. A paz dos cabelos brancos, até essa me deixou. Entre você e o amor próprio escolho você. Entre a dignidade e a abjeção com você, escolho a abjeção. Só peço pelo último encontro, duas palavrinhas. Por você eu morro todo dia. Pelo teu amor sou morto cada hora. Deixa te ver, sua maldita, uma vezinha só. Ai, por favor. Minha santinha querida. Por favor.

(Dalton Trevisan)