terça-feira, 31 de julho de 2012

Frank Turner - Love Ire & Song




Não sei dizer em que momento exatamente o sonho morreu.  O fato é que em algum momento aquela cartilha do punk - ou do rock em geral -  do faça você mesmo, das canções vigorosas, sinceras e diretas, da juventude urbana insatisfeita, virou referência para jingles de refrigerante e trilhas sonoras de eventos corporativos sobre skate, tatuagem ou marcas de roupas. 
Da mesma maneira que o rap - e praticamente toda expressão cultural jovem das últimas décadas - o rock seguiu seu caminho, evoluiu, criou seu mercado, sua iconografia, seus nichos, vertentes e subvertentes e foi decepcionando os que ainda acreditavam numa forma de expressão genuína baseado em sinceridade e urgência de fazer acontecer.

Essa decepção está ligada também ao nosso próprio amadurecimento e à complexidade crescente que começamos a vivenciar em nossos pontos de vista conforme envelhecemos.  Quando somos jovens, achamos que podemos mudar o mundo com três acordes de guitarra, nossos inimigos são claros e nossa causa é justa.  Com o tempo, percebemos que existem muito mais tons de cinza entre nosso preto e branco do que gostaríamos de admitir.  Percebemos que não existe uma coisa estática e ameaçadora chamada “sistema” onde podemos descontar nossas frustrações e culpar por nossa inabilidade de explicar um mundo com nuances, interesses e camadas demais.  O rock continua sendo vendido - nesse caso, como um sabão em pó ou um cereal matinal - como “música para jovens” e esse rótulo simplesmente serve de desculpa para jogar nesse saco uma legião de músicos e bandas medíocres - alguns mais bem intencionados que outros - que confundem simplicidade com tosquice, ser direto com ser tolo, com claros interesses comerciais.

Sinto-me frequentemente dividido nesse duplipensar.  Cresci sob a mitologia do rock n’roll.  Meus heróis empunhavam violões e guitarras, se expunham, chocavam e levavam sua expressão ao limite, desafiando seus ouvintes e seu tempo.  Ao mesmo tempo que quero acreditar que somos capazes de fazer a diferença, de que qualquer um com vontade de mudanças pode efetivamente sê-la, sou frequentemente confrontado com meu próprio ceticismo e desconfiança de qualquer um que realmente esteja tentando. 
E, vamos admitir, meus interesses, receios e anseios também mudaram com o tempo.  Hoje eu me preocupo com meu lugar no mundo, com meus amigos, com amor, com ganhar dinheiro para viver minha vida com algo que me satisfaça e que não exija minha alma em retorno, todos esses dilemas morais com que vamos topando conforme vamos vivendo.  Minha raiva adolescente foi gradualmente substituída por uma perplexidade com a vida e uma crescente aceitação da pessoa que me tornei.

Tudo isso, ao final, para falar de um disco que me fez parar para pensar em tudo isso.  O nome do disco é Love Ire & Song e o responsável por essa pérola é um inglês chamado Frank Turner.

Turner foi o frontman de uma banda de hardcore chamada Million Dead e rapidamente seguiu por uma interessante carreira solo.  Love Ire & Song é seu segundo disco, de 2008, e despertou paixões na crítica especializada.

Frank Turner fez um disco clássico, baseado na cultura punk rock, mas com um resultado que extrapola essas definições de gênero.  Nota-se que seu repertório e suas referências são bem mais aprofundadas nos cânones e na iconografia do rock como músicas libertárias e enérgicas do que como mais uma gavetinha dessa cultura.  Dá pra ouvir ecos de trovadores folk, de indie rock, de hardcore e do grime, mas despido de ornamentações e reduzido ao essencial.  O esqueleto das canções baseiam-se em violão, letras diretas e um senso de construção pop invejável.  Algumas canções já contam com a banda completa.

Love Ire & Song é um disco sobre amadurecimento, sobre crescer sendo quem você é, sobre prioridades e sobre olhar para o futuro.  Suas letras são ao mesmo tempo extremamente confessionais e bastante abrangentes.  Nada é cabeçudo, panfletário ou doutrinador.  Ele compartilha com o ouvinte suas próprias experiências, deixando a interpretação livre. 
Na faixa que dá nome ao disco, ele se questiona sobre o que fazer quando suas certezas de outrora viraram fumaça (“And Punk Rock didn't live up to what I hoped that it could be, and all the things that I believed with all my heart when I was young are just coasters for beers and clean surfaces for drugs”), e segue pel
o restante do album discorrendo sobre a perda de pessoas que amamos (Long Live The Queen), o poder redentor da música (Substitute), sobre envelhecer nos mantendo fiéis a nós mesmos (Photosynthesis) e por aí vai...

Não é a reinvenção da roda, é apenas rock n’roll.  É um disco simples, direto e verdadeiro como só os clássicos que permanecem em nosso imaginário e nos fazem companhia em determinados momentos de nossa vida conseguem ser.



As minhas favoritas:


Love Ire & Song





Substitute





Long Live the Queen







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