quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Free Rafinha

Para começar, eu não gosto do Rafinha Bastos.
As piadas do "homem mais influente do Twitter" costumam sempre despencar para o mau gosto, o palavrão gratuito e o riso nervoso e fácil do chocar simplesmente pelo chocar.  Da mesma forma, eu tenho sempre a tendência de não gostar de nada que se assemelhe vagamente a essa nova onda de shows de stand up brasileiros.  O ponto não é que me ofendem de qualquer forma ou que eu acredite que humor tem que ser feito de um jeito ou de outro.  Eu simplesmente acho chato pacas.

Comédia stand up é provavelmente das mais difíceis de serem feitas por necessitar de um ritmo, um vocabulário e de uma gama de idéias que normalmente as pessoas que se arriscam no gênero no Brasil simplesmente não possuem.
Claro que existem milhões de humoristas sem graça tentando fazer stand up em qualquer lugar, Estados Unidos incluso.  Porém, temos que admitir que os americanos, certamente os pais do formato, mostraram o que essa forma de humor tem de melhor: Eddie Murphy nos 80, George Carlin, Lenny Bruce e por aí vai elevaram o gênero stand up ao que ele tem de melhor.  E não se engane: nas apresentações de todos esses citados tem muito mais palavrão e termos chulos do que em qualquer apresentação de Rafinha ou congêneres.  A diferença é que, nesse caso, as palavras tem uma razão muito clara de estarem onde estão.  E isso é simplesmente uma opinião.

O humor brasileiro sempre foi calcado em gêneros, personagens.  A bicha, o negro, o gordo.  Nós sempre achamos mais engraçado rir do outro do que rir de nós mesmos, que é a alma da comédia stand up, aliás.  Rir do deficiente, da loira burra, do português é muito mais legal, certo?  Agora, veio falar de mim, a coisa aperta.
Lembra daquele video do YouTube que o "comediante de pé" brasileiro chega no palco, aponta o dedo pra alguém da platéia, chama um cara de gordo, ele sobe no palco e dá um soco no artista em questão?  Por aí....

Como todo mundo, tenho acompanhado a saga Rafinha Bastos x Wanessa Camargo e family.  Se você esteve em Marte nos últimos tempos: a moça tá grávida e Rafinha, querendo dizer que ela estava gostosa, disse em rede nacional, na bancada do programa CQC do qual é apresentador que "comeria ela e o bebê".  Uau!!  Engraçadíssimo, certo?  Até aí nenhuma novidade.
Um parênteses: a piada não é mais sem graça que qualquer uma do Zorra Total ou da Escolinha do Professor Raimundo que, bem lembramos, tinha entre seus personagens a gostosa burra, o judeu, o caipira ignorante, o árabe avarento e o índio, para citarmos alguns clássicos do repertório humorístico brasileiro.
A razão de considerarmos esse programa um clássico do humor brasileiro e a piada de Rafinha um caso de polícia me escapa agora.

Voltando à repercussão do caso.  Aparentemente, ele mexeu com a pessoa errada.  A tal da Wanessa é filha de um cantor sertanejo muito famoso e casada com um outro tal de Marcus Buaiz que, dizem, é um empresário fodão, amigo do Ronaldo Nazário (não confundir com o Ronaldo Fenômeno da Seleção e do meu Corinthians), influente na TV Bandeirantes e num monte de outros lugares e foi aí que o Rafinha se fudeu: foi afastado do CQC, perdeu contrato de patrocínios e foi hostilizado pela "opinião pública" como o novo Herodes do pedaço.  Ele já tinha se metido em outras polêmicas anteriormente com outras piadas igualmente estúpidas de estupradores e mulheres feias e de orfãos no dia das mães, que nem valem a pena serem repetidas.

Se a situação e a punição de Rafinha já eram esquisitas antes (a Bandeirantes não contratou o cara justamente por ele ser mal educado e desbocado? Humm...) a cereja do bolo foi a notícia de que Wanessa, o maridão e o filho que ainda nem nasceu (!) entraram com uma ação de indenização e danos morais contra o humorista no valor de CEM MIL REAIS (!!!!).

Ok, pausa.

Tudo bem, vivemos numa sociedade em que qualquer um pode processar qualquer um por qualquer motivo que se ache justificado.  Isso é um direito inalienável e necessário para o funcionamento de uma sociedade civilizada.  No caso, a honra da família foi supostamente atingida e eles consideram que cem paus pagaria essa honra maculada. Mas, peraí, sou eu ou tem alguma coisa errada quando um humorista perde o emprego, é processado e hostilizado por fazer o que lhe pagam para fazer??

Tenho acompanhado a questão de perto nos meios de comunicação e redes sociais e estou curioso com o desenrolar do caso.  De uma forma ou de outra, a situação tem implicações éticas muito delicadas, resvalando em preceitos fundamentais como LIBERDADE DE EXPRESSÃO que, num país com uma democracia tão incipiente como a nossa, toma proporções muito mais complexas e graves.

Alguém, em sã consciência, realmente acredita que Rafinha Bastos tenha algum desejo de manter relações sexuais com um recém nascido?  Acredito que não.  O formato no qual ele fez a declaração era um programa de humor no qual, entende-se, não é para ser levado a sério.  Você não gosta do humor que Rafinha Bastos faz?  Não assista seus programas, não compre seu DVD, não vá a seus shows, ignore que ele existe.  Isso é a maravilha da democracia: você não é obrigado a consumir nada que considere ofensivo ou que não lhe agrade (falando de Brasil, muitas aspas aqui).

Se Wanessa e cia ganharem a ação, isso abre precedente para que?  Para que artistas tenham que entregar suas obras para aprovação antes de levá-las a público para não correr o risco de ofender os interesses de terceiros?  Ofender minorias tudo bem, desde que o lobby delas não seja forte o suficiente para supostamente se defenderem como os paladinos dos bons costumes de plantão estão fazendo?  De qualquer forma, além da óbvia hipocrisia do caso, eu sinto um cheiro nojento de censura nessa história toda.

Não estou defendendo Rafinha Bastos nem nenhum dos merdas que fazem o CQC.  Entretanto, quero pensar que eu moro num país onde eles podem dizer o que quiserem e falar o que quiserem enquanto existirem pessoas que querem ouvir o que eles tem a dizer ou achar engraçadas suas piadas.  Eu sei o tipo de humor que eu consumo - engraçado para uns, nem tanto para outros - e que EU tenho a liberdade de dizer um "vai tomar no cu" e mudar de canal instantaneamente cada vez que eu vejo aqueles caras de terno preto fazendo propaganda de refrigerante enquanto xingam o Congresso na minha TV.

Não quero ninguém decidindo isso por mim.